31.10.05

Terapia aérea

Espero que seja apenas uma questão de educação. Quero crer. Torço para que as diferenças da cena que retratarei a seguir ocorram porque as oportunidades em nosso país ainda estão se criando, e que daqui a pouco tempo, as tenhamos em grande escala. Lá vai:

Foi veiculada uma reportagem em que chineses empinavam pipas. Não era um campeonato, nem o dia internacional do papagaio, nem tampouco carnaval chinês. Era um dia comum, desse que a gente acorda, toma café e sai pra trabalhar, sem esperar grandes novidades. Pois bem, crianças e adultos estavam em praças públicas, parques e ruas fazendo o que nossas crianças estão esquecendo, soltando pipa, como se dizia antigamente. Cada vez menos pipas enfeitam os céus da região metropolitana do Recife, a não ser pela sua resistência em se manter no seu habitat natural: a periferia.

Na China, um país continental, assim como o nosso, o hábito permanece inalterado há milênios. Todos empinam pipa. O curioso é que os chineses as usam, também, como terapia. Na hora do almoço é comum ver executivos, vendedores, secretárias e até policiais pedindo para “dar uma empinadinha”, há centenas delas espalhadas no céu e não se vê enlinhamentos, nem brigas por espaço. Todos têm o seu.

Uma cena destas no Brasil é difícil de imaginar, mesmo porque, aqui não se vê essa cordialidade para empréstimo de qualquer coisa, é nossa cultura mesmo, e mesmo que houvesse, ninguém pararia sua vida apressada para perder tempo precioso em uma coisa tão “insignificante” como empinar papagaio.

O negócio por aqui ainda está na base da “torança”, que se concretiza quando temos o melhor cerol e executamos a manobra debicada com perfeição, não deixando chance para a pipa adversária, a colocando à deriva no ar. Nesse momento começa o “pega-pra-capar” com a criançada que assistia ao embate. É uma correria desgraçada por entre becos e córregos e, quando menos se espera, estão dois buchudinhos aos tapas por pegarem aquele objeto voador simultaneamente, um pelo corpo e o outro pela rabiola.

Talvez seja instinto essa história da competição aqui em terras tupiniquins. Talvez os ocidentais ainda tenham que percorrer um longo caminho, já que as Américas têm pouco mais que quinhentos anos da sua colonização, em contrapartida aos milênios de história e sabedoria da civilização oriental. Pois bem, um simples ato, uma brincadeira de criança pode revelar traços e comportamentos das mais variadas culturas do nosso planeta. Cabe-nos a observação e o proveito que pudermos absorver dessas ocasiões, e que os usemos para engrandecimento próprio e do nosso próximo.

P.S.: No próximo final de semana vou tentar construir uma pipa, acho que ainda lembro como se faz...

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