27.4.06

O passado chama – Parte III


Na manhã seguinte, o sol se fez brilhar intensamente. Não havia uma nuvem sequer no céu, porém, Ramsés não estava lá muito preocupado com as condições climáticas externas, mesmo porque, sua aventura dali a pouco, juntamente com seus amigos, seria embaixo d’água.

Na noite anterior ele marcou o encontro às 06:15 com Roberta e com o megulhador e piloto do minisub, Robson, no convés, próximo à doca de lançamento do pequeno submarino, e muito antes da hora marcada já estava esperando no local.

Roberta foi dormir morrendo de medo da dita “expedição” que se aproximava, mas, estranhamente, estagnou na cama como uma “pedra” e só conseguiu acordar na hora marcada, porque deixara o despertador do celular ligado no vibra-call, e embaixo do seu travesseiro, por medo que seu marido acordasse e não a deixasse ir. Saiu em silêncio do quarto e na hora combinada estava diante do piloto e do “comandante” da missão. Ramsés perguntou por quê Roberta não contava logo a Mário todo o acontecido? Ela respondeu que não queria ocupar a mente do esposo com essas coisas sobre “vozes do além”, além do mais (desculpem o trocadilho), ele não acreditaria nela mesmo...

Entraram no mini-sub (só cabiam os três mesmo) com a autorização do Capitão, claro. O pretexto utilizado foi o de colher amostras de solo marítimo, já que o navio estava quebrado e que as pesquisas não podiam esperar. Ramsés prometeu voltar antes das 10 horas.

Roberta estava deslumbrada com o mundo subaquático. Nunca imaginou que iria mergulhar em um submarino naquela viagem e em nenhuma outra. Sua atenção estava voltada para a fauna marinha e não cansava de repetir: – “como a água é cristalina”! – Admirando-se, cada vez mais, com os peixes e até com alguns crustáceos que encontrou pelo caminho. Até que os três avistaram uma sombra gigantesca, mais parecida com uma grande ponta de uma lança enterrada no fundo do oceano. Quando Ramsés exclamou:

– Achamos o que viemos buscar!
– o que é Ramsés? – perguntou Robson, ainda curioso, pois o mesmo nunca tinha ouvido voz alguma, só estava ali por causa do submarino, e seu único interesse era a outra metade do pagamento que lhe cabia.
– Calma meu caro... há coisas que você só vai saber quando conseguirmos recuperar a caixa.


continua...

10.4.06

O passado chama – parte II


– Você os viu, Ramsés?
– os tenho visto desde que eu tinha seis anos de idade. Sente um pouco que eu lhe conto toda a estória – sugeriu Ramsés, e, após Roberta sentar, continuou:
– eu nasci em 1936, no dia seis de junho de 1936, para ser mais exato. Cresci em Recife, e fui educado como um menino normal da classe média pernambucana. Ao completar seis anos, meu pai levou toda a família para um cruzeiro em alto-mar, a idéia era fazer uma festa no convés para a comemoração do meu aniversário, junto com o da minha mãe, que seria três dias depois, pois bem. Quando passávamos exatamente neste lugar, – ele sabia disso porque as luzes da cidade de Natal estavam no mesmo ponto do horizonte de antes, – ouvi essas vozes me chamarem pelo nome pela primeira vez!
– É sim, eles me chamaram pelo meu nome, como eles sabem disso?
– Os viajantes do passado, que passam por todos os lugares, inclusive pelo fundo do mar, disseram a eles, se movimentam em certas freqüências de energia, que, por coincidência ou por intervenção, encontra também pessoas como eu e você. Voltemos à estória: naquela viagem os meus pais acharam que eu estava ficando louco. Passei todo o resto do cruzeiro trancado no quarto, mas as vozes não paravam de ecoar na minha cabeça. Imagine o que é para uma criança ficar ouvindo vozes em um quarto escuro, sozinha, enquanto a sua família e seus amigos estavam em uma festa, sem dar a mínima para os sentimentos dela.
– Pôxa, deve ter sido muito ruim para o senhor, não sei como teve coragem de voltar aqui.
– Não é uma questão de coragem Roberta, e sim de destino. Eu e você estávamos predestinados a estar aqui, agora. E não é só isso, quando eu comecei a organizar esse cruzeiro, tive o cuidado de colocar nele pessoas que ajudariam de alguma forma a solucionar esse problema que me atormenta há muitos anos, a me ajudar a completar minha missão.
– Como assim missão? Que pessoas você convidou, e porquê ninguém mais ouviu as vozes?
– Durante o restante da minha vida, estudei os fenômenos psíquicos e sensoriais que me pareciam ser a causa da aparição dessas vozes. Fiz faculdade de medicina e me tornei um psiquiatra conhecido nacionalmente, porém, minha única intenção durante esse tempo todo foi descobrir o verdadeiro significado desse chamado. Passei várias vezes nesse local desde então, tenho meu próprio barco e já perdi a conta de quantas noites passei ancorado nesse mesmo ponto onde estamos, tentando descobrir porquê eles falam comigo exatamente aqui. Até que chegou o dia em que reuni a equipe ideal, depois de tantas que falharam, para tal merecimento. Dentro de alguns segundos o navio deve parar com um suposto defeito no motor. Tudo já foi, devidamente acertado para que tenhamos 24 horas para descobrirmos, de fato, o que aconteceu aqui no passado.

Mal Ramsés acabou de falar, ouviu-se um barulho vindo do interior do navio e logo em seguida, pelo sistema de alto-falantes da embarcação, o comandante avisava que houvera um problema entre o motor e o sistema de transmissão de força do navio, e que eles iriam ancorar ali mesmo naquela noite, mas, que os devidos consertos já estavam sendo providenciados. Ramsés continuou a conversa com Roberta, falando sobre os procedimentos para o outro dia e o quanto seria importante a sua colaboração, assim como a dos outros “convidados”:

– Bem, Roberta, hoje não poderemos fazer mais nada, mas amanhã teremos a ajuda de um especialista em mergulho, Robson, para chegarmos até o fundo desse mistério, literalmente falando. Ele tem um mini-sub no compartimento de carga e já estamos acertados para descer. Ainda há uma vaga guardada para você.
– E se eu não quiser ir?
– Sim Roberta, você tem esse direito, mas se queres um conselho, ajude-me a resolver esse enigma, pois essas vozes são insistentes, e eu acho que vão ficar falando com você por muitos e muitos anos, chamando você, pedindo a sua ajuda, assim como fizeram comigo. Tem mais uma coisa que você precisa saber: as vozes são de crianças de um orfanato do Recife, que foram levadas por padres portugueses no início desse século, e que deveriam ter sido adotadas por famílias européias que não conseguiam ter filhos. Depois da saída do navio do cais do porto, nunca mais ninguém teve notícias delas...

Foram dormir, se é que alguém pode dormir com uma tensão dessas...

Continua...

5.4.06

O passado chama


O casal era bem relacionado. Ele, Mário, vivia com muitas atribuições profissionais. Essas pessoas que trabalham na bolsa de valores são assim... logo cedo já começam a gritar, literalmente, ao telefone, e o que é pior: sofrem pressão “monetária”, afinal, se movimentar o nosso pouco dinheiro já é um estresse, imaginem lidar com os milhões dos outros, triplica a responsabilidade.

Ela, Roberta, também levava uma vida de correrias. Como professora municipal, não sobrava muito tempo para o descanso merecido. Trabalhava em duas escolas, afinal, o orçamento familiar e sua independência financeira do marido dependiam do seu próprio esforço, sem falar na dureza que é lidar com o fator humano, principalmente crianças, todos os dias.

Apesar de todo esse esforço semanal, os dois ainda arranjavam tempo livre, inclusive nos finais de semana, para participar de programas de voluntariado, como o Amigos da Escola ou o de apoio ao Hospital do Câncer. E foi num desses trabalhos voluntários que conheceram Ramsés, um senhor simpático, praticante do espiritismo, de boa índole e excelente visão altruísta. Ele disse que estava organizando um cruzeiro marítimo pelo litoral nordestino, tendo como saída, Salvador, e como ponto extremo, Fernando de Noronha. O embarque estava previsto para dali a quatro semanas.

Nos outros três finais de semana que se encontraram, Ramsés insistira muito, principalmente com Roberta, para que o casal desfrutasse um pouco da vida terrena, que se divertisse e esquecesse o ritmo frenético dos expedientes obrigatórios. Ele insistiu tanto para que fossem ao cruzeiro que Roberta conseguiu convencer Mário, afinal, Ramsés já havia até conseguido um desconto de 50% nas suas passagens, com o argumento que o embarque não seria no início da viagem, em Salvador, mas na primeira parada.

No domingo à tarde do final de semana seguinte, malas prontas, dirigiram-se ao porto do Recife, onde iriam interceptar o navio e embarcar na primeira classe, afinal, com o desconto conseguido dava para usufruir das melhores acomodações. Festa na saída e choro dos familiares que acenavam com lenços brancos, bem ao estilo “Terra Nostra”.

No início, a viagem transcorreu naturalmente, com os enjôos normais que assolam mesmo os “marinheiros iniciantes”, mas nada que um Dramin não resolvesse. Roberta e Mário estavam felizes e receptivos a novas amizades, e foi isso mesmo que fizeram, conheceram a família de Ramsés e logo se sentiram à vontade, como se fizessem parte dela. Na segunda noite do cruzeiro, ao passar a mais ou menos 50 milhas náuticas de Natal, Roberta sentiu um arrepio na espinha, bem na hora do jantar (sabe como são esses jantares de navio? Todos no restaurante principal e absolutamente ninguém no tombadilho), claro, a comida é de primeira e ninguém queria perder os shows programados para aquela noite, logo depois, ouviu seu nome sendo chamado através da porta lateral do convés, próximo à sua mesa.

– Roberta, precisamos de você! – disseram.
– Mário, você ouviu isso?
– Ouvi o quê Roberta, tem tanta gente falando?
– Essa voz de criança me chamando, não ouviu?
– Acho melhor você dar um tempinho nesse champanhe, toma uma coca.
– Não Mário, eu ouvi sim, vamos ver quem é?
– Eu sem quem é Roberta, é sua imaginação.

Roberta levantou-se e saiu pela porta de onde ouvira a voz, andou pela lateral do navio, com passos lentos e tentando não fazer barulho com seu salto alto, até que na proa oeste, onde se obtia uma vista privilegiada das luzes do litoral do Rio Grande do Norte, encontrou Ramsés, imóvel, com um olhar fixo para a base do casco, como se procurasse ver algo entre as marolas formadas pelo deslocamento da água. Roberta mal chegou a dizer algo a ele, e,. sem olhar para trás, indagou:

– são as vozes, não são?

Nesse momento, Roberta ouviu a voz de novo, agora mais alta, como que viesse da direção que seu amigo olhava, dessa vez com a seguinte mensagem:

– Roberta, precisamos de ajuda... os padres!


Continua...