31.10.05

Terapia aérea

Espero que seja apenas uma questão de educação. Quero crer. Torço para que as diferenças da cena que retratarei a seguir ocorram porque as oportunidades em nosso país ainda estão se criando, e que daqui a pouco tempo, as tenhamos em grande escala. Lá vai:

Foi veiculada uma reportagem em que chineses empinavam pipas. Não era um campeonato, nem o dia internacional do papagaio, nem tampouco carnaval chinês. Era um dia comum, desse que a gente acorda, toma café e sai pra trabalhar, sem esperar grandes novidades. Pois bem, crianças e adultos estavam em praças públicas, parques e ruas fazendo o que nossas crianças estão esquecendo, soltando pipa, como se dizia antigamente. Cada vez menos pipas enfeitam os céus da região metropolitana do Recife, a não ser pela sua resistência em se manter no seu habitat natural: a periferia.

Na China, um país continental, assim como o nosso, o hábito permanece inalterado há milênios. Todos empinam pipa. O curioso é que os chineses as usam, também, como terapia. Na hora do almoço é comum ver executivos, vendedores, secretárias e até policiais pedindo para “dar uma empinadinha”, há centenas delas espalhadas no céu e não se vê enlinhamentos, nem brigas por espaço. Todos têm o seu.

Uma cena destas no Brasil é difícil de imaginar, mesmo porque, aqui não se vê essa cordialidade para empréstimo de qualquer coisa, é nossa cultura mesmo, e mesmo que houvesse, ninguém pararia sua vida apressada para perder tempo precioso em uma coisa tão “insignificante” como empinar papagaio.

O negócio por aqui ainda está na base da “torança”, que se concretiza quando temos o melhor cerol e executamos a manobra debicada com perfeição, não deixando chance para a pipa adversária, a colocando à deriva no ar. Nesse momento começa o “pega-pra-capar” com a criançada que assistia ao embate. É uma correria desgraçada por entre becos e córregos e, quando menos se espera, estão dois buchudinhos aos tapas por pegarem aquele objeto voador simultaneamente, um pelo corpo e o outro pela rabiola.

Talvez seja instinto essa história da competição aqui em terras tupiniquins. Talvez os ocidentais ainda tenham que percorrer um longo caminho, já que as Américas têm pouco mais que quinhentos anos da sua colonização, em contrapartida aos milênios de história e sabedoria da civilização oriental. Pois bem, um simples ato, uma brincadeira de criança pode revelar traços e comportamentos das mais variadas culturas do nosso planeta. Cabe-nos a observação e o proveito que pudermos absorver dessas ocasiões, e que os usemos para engrandecimento próprio e do nosso próximo.

P.S.: No próximo final de semana vou tentar construir uma pipa, acho que ainda lembro como se faz...

25.10.05

A Feira

Chegamo lá de cinco hora
Antes dos galo cantá
Fumo logo pras verdura
Pru mó das mio pegá

Conheci a banca de Severino, um carioca da gema, que depois de perder o amor de Claudinha, morena vistosa dos dentinhos separados, que quando mostrados criavam barrocas, das pernas roliças, que nem duas palmeiras, que se vistas na praia causavam arrepio, e perdeu essa beleza pra Edgar o seu vizinho, que vendo aquela formosura de beleza, cresceu logo o olho gordo, e deixou Severino sem mulher e na pobreza. Sevé, acoado, num teve outra saída, veio-se embora pra Pernambuco, pra reconstruir a vida.

Tomate, cebola, alface e acelga
Tem conetro, cenoura e tem até berinjela
Colhidos cedinho, quando o sol nem olhava
E o preço tão pouquinho, os cliente nem reclamava

Depois de guardades as verduras no carro, que tava na sombra pra não abafá-las, descemos pro lado das frutas e chamamos um menino risonho, que tava com um carrinho-de-mão pra levar o carrêgo.

Me chamo Zézin
Trabaio adoidado
Acordo cedin
Moro ali do lado

Carrego as feira
Pro mó de um real
Mas na série, já sou terceira
Num quero virar mobral

E assim, as compras mais pesadas, botamo Zézin pra carregar: jaca, melancia, fruta-pão, laranja e maracujá; e tudo de mais de um quilo que a gente pôde comprar.

Inhame, Cebola grande pra assar
Batata doce e inglesa, beterraba e cará
E lá no pé da feira, ao lado dos passarim
Compramo muito morango que aqui em todo canto dá

A feira também tem tristeza, tem gente pedindo esmola, sentada no meio das ruas. Tem criança revirando caixote, pra pegar tomate estragado, tem roubo, pequenos furtos e até grandes desavenças, bem em frente ao mercado.

– me veja dois quilo de porco
do lombo, pra um guizado
com osso do mucumbuco
pro caldo ficá engrossado

– já tô esperando fai tempo
pro mó de sê atendido
se dé a dele primeiro
Dô-le um tapa no ouvido

– “Tem briga lá no mercado” – todos correm pra olhar, – “é Zeca com Tonho bêbo, que começaram a se estranhar”. – o sol já estava a pino, nem sombra tinha pra ficar, a roda já tava grande e os dois no meio a falar:

– É a tua mãe
– É a tua sobrinha
– O teu pai é corno
– O teu usa calcinha

Nessa hora Tonho Bêbo
“largou” a porrada em Zeca
Que saiu cambaleando
e sumiu por entre as banca

Tonho Bêbo todo afoito
Foi beber em Zé Gibão
De repende chega Zeca
Amostrando seu canhão

Tava em casa o três oitão
Carregado de munição
Os mesmo que foi defendido
Por toda a população
No referendo maldito
Quem mata é o cidadão

E o outro que era bom
Minino trabaiadô
Agora veve fugido
Jurado de morte e dor

P.S.: A feira tem de tudo mesmo, tem gato, cachorro e amô!!!

24.10.05

Votação inerte

E mais uma vez a maioria decide pela violência. É natural. Os milhares de anos vividos pela raça humana como animais dominantes, não poderiam ser mudados em um único dia, através de uma votação em que, novamente, por outra verdade absoluta da vida, o poder econômico – que usa o terror psicológico como arma – conseguiu impor vontades e evitar o pontapé inicial para um mundo com menos mortes por armas de fogo, pelo menos.

Não há, na nossa história, períodos de paz absoluta. Quando não foram os chineses contra os hunos, eram os romanos contra o resto do mundo; os alemães em apologia a si mesmos; os franceses como loucos conquistadores ou os americanos que não suportam, sequer, vislumbrar a riqueza de outra nação. Isso é o homem, seu retrato, e sua maldição de se sentir inferior e indefeso contra o seu maior inimigo, ele mesmo, egoística e maldosamente carrasco da sua espécie, cultuando o uso de armas de destruição ao invés de lições de paz e união.

No Brasil não poderia ser diferente: propagandas de “premonições” em que se via bandidos dominando os “seres inferiores” por não possuírem revólveres para a sua defesa, minaram suas concorrentes em que se mostrava que, na realidade, a maioria das mortes dos indefesos, acontecia pelo uso das mesmas armas que deveriam defendê-los.

Perdemos a chance de iniciar o caminho para um país menos reacionário e cruel, também, talvez fosse pedir demais, já que a maioria que vive aqui é assim mesmo, medrosa e violenta (comportamentos que se mostram mesmo quando munidos de armas de fogo).

P.S. Deus abençoe a todos

23.10.05

Tribunal de fé

Agora enfim nos mostram a verdade. A máscara caiu, se é que já houve alguma? Há uma ação impretada por um grupo de evangélicos da cidade do Rio de Janeiro, que reivindica uma indenização de, pasmem, R$ 800 mil Reais para cada um do seu grupo, por danos morais. Alegam que a União deve pagar esse valor “simbólico”, (a ação é contra o governo do país, mas quem paga são os contribuintes – nós) por atribuir o dia 12 de outubro à padroeira do Brasil, Nsa. Senhora Aparecida, e ainda instituir feriado nacional neste dia.

Em primeira instância, o juiz da vara cível do Rio mandou arquivar o processo sem nem julgar o mérito, tal o tamanho do absurdo discutido. O que se vê é a intolerância religiosa dos próprios evangélicos em questão, que não aceitam que um país de maioria católica atribua a uma Santa o status de padroeira da nação, e ainda proclame feriado no seu dia, o que torna as suas vidas “insuportáveis”, dizem. Acho que existem coisas mais importantes para se ocupar, como a preocupação com o bem estar da sociedade e com seus fiéis, os quais isento de culpa nesta, e em outras ações, visto que já sofrem deveras em ter que repartir seus salários à razão de dez por cento para financiar suas igrejas, que não o bastante, procuram agora vislumbrar brechas na lei para “roubar dinheiro de muito”, não esquecendo da isenção de impostos para a grana que rola a pretexto da fé.

O grupo citado recorreu da decisão, e agora, em segunda instância, solicitou o julgamento do mérito... ora, ora, imagine a jurisprudência que, se sair vencedor, um ato desses pode gerar: vai ter neguinho querendo ganhar a vida através de uma nova profissão: “impretador de causas ridículas!” Nessa nova modalidade, será “chefe”, quem usar melhor a imaginação. Pois bem, se cada católico resolver mover uma ação contra o bispo da Igreja Universal, Don Sérgio Hélder, aquele que chutou a imagem da Santa... Edir Macedo correria o risco de “quebrar” e não poderia mais passear de barco exibindo rolos de dólares e dizendo que os “manés” (leia-se: fiéis) é quem bancam seu luxo. Imaginem se os ateus, decidirem mover a mesma ação contra os evangélicos por comemorarem seu dia em 30 de novembro, já que não acreditam na divindade... caos total.

Está na hora do povo crer mais em Deus e menos nos homens que dizem que falam com Ele. Já é tempo de se fazer o bem, e não de esperar que a insanidade de alguns resolva os seus problemas, a custa do trabalho e honestidade alheios.

22.10.05

Indivisível

Enfim você decide por deixar-me
Em águas insalubres, sem prazer
Pra ter apenas espasmos de lembranças
Pra ser apenas estigma no meu ser

Enfim não somos mais um só reflexo
Amplexo que não mais existirá
Deixando os mais amigos tão perplexos
Quão verbos soltos, sem chão, sem ar

Éramos enfim como epicenos
Se um chegava o outro estava lá
Tão um só ser que era obsceno
Sem nexo nossa história acabar

21.10.05

Alforria

A verdade veio à tona
Em campos sem cheiro e sem cor
Porque na vida se engana
Quem acha que existe o amor

Aos olhos de quem os via
Nada parecia faltar
Ardência pra noites frias
Demência pra relaxar

Os dois em um se fundiam
Na pele, o mesmo tom
Na boca, o mesmo riso
No sexo, o mesmo som

Um querer que não via dias
Nem noites, nem padecer
Há quem diga que um queria
Muito mais do que podia ter

Enfim nem a astrologia
Cartas, exames de grafologia
Nem a vidente que tudo via
Sobre isso ousou prever

Não mais havia sorrisos
Sem ambos, a festa acabou
Como em carta de alforria
Um se foi, do outro se libertou

20.10.05

Alusão à alegoria

No final, tudo foi para dizer que o inteligível é o que distingue o homem dos outros animais. Ora, só a luz e o senhor dela, nos mostra a verdade e o inteligível. Sendo assim e acreditando nisso, a compreensão dos homens como produtos do meio – não que seja ruim sê-lo –, se dará de forma mais branda e maleável.

Na ânsia de defender seu pensamento, criado de acordo com o meio e com os valores agregados a ele, algumas pessoas têm, como postulados, certas definições de comportamento e de relacionamento que lhe são peculiares, infligindo assim, o próprio direito de pensar do seu próximo, talvez por desconhecimento da diversificação de culturas que existem, não apenas entre povos, raças e nacionalidades, mas também dentro do seu próprio trabalho, convívio e até da sua própria casa.

A verdade é relativa, assim como todo o resto. A aplicação da mesma, se imposta pelos que se dizem ascendidos ao lugar do inteligível, trará o não entendimento dos que a buscam à medida do seu próprio intelecto. A questão do poder entre as relações de combate propostas é quem, na maioria das vezes, impõe sua vontade – leia-se: comando -.

A intransigência, que muitas vezes se disfarça em credo, no sentido amplo e material da palavra, bloqueia a aceitação da hipótese de erro e dirime as chances de sequer ouvir a opinião de outrem. Essa “cortina de aço” que se fecha em um único sentido, atinge tanto aos sábios ou céticos quanto aos fechados e iludidos, fazendo-os prisioneiros do pouco ou do muito saber em igual intensidade e perigo.

Assim, como diria Platão através de Sócrates sobre sua esperança: “Deus sabe se há alguma possibilidade de que ela seja fundada sobre a verdade...”. Não sendo filósofo, nem vidente, e contemplando, com orgulho, minha infinita insignificância ante a mente de Platão, diria: só há um dono da verdade, e ninguém que tenha vivido ou que viverá, ascenderá o suficiente pelas estradas do inteligível, ou do imaginável, para alcançá-lo.

P.S.: Aceitação e entendimento do próximo são palavras-chave para iniciar a subida...

19.10.05

Espera válida

Trabalho em um local onde o estacionamento é distante do prédio principal, logo, ao chegar é comum ter gente esperando transporte para ir ao seu setor. Ontem, o Sr. Pedro Moreira era um desses “caronas” que aguardavam a vez, quando eu cheguei. De pronto, respondeu ao meu bom dia e foi logo “atacando”:

– Esse Lula é mesmo um safado! Desde a época em que ele era sindicalista, aporrinhava todos os presidentes por causa do salário mínimo, que deveria ser de mil cruzeiros...

Vi em seus olhos, uma raiva que transpusera os óculos, excessiva para um senhor de mais de sessenta anos. Continuou dizendo:

– Agora, que tá no poder, fez conchavo com os empresários, que são deputados, senadores e ministros, e até o vice dele também é... um bando de safados que só lutam pelos seus próprios interesses.

Nesse momento eu intervi. Não para defender o Presidente e acirrar ainda mais a cólera alheia (como faria anteriormente em embates desse tipo), simplesmente disse:

- Seu Moreira, quem é mais safado? Os políticos empresários que defendem seus direitos aquém da qualidade dos seus eleitores, ou o povo que os bota no poder repetidas vezes, há muito, muito tempo?

Nessa hora, percebi a mudança do seu olhar, como quem entra em um “mini flashback” e, já com a voz branda, sorriu e respondeu:

– O povo.

Passamos então a conversar sobre o poder e seu poder de transformar os homens, em sua facilidade de mostrar quem realmente somos, em revelar a face egoísta e vaidosa das pessoas, antes ditas legais ou “gente fina”, agora, com o poder nas mão, chamadas de excelência ou doutor, tratamentos que incorporam-se às personalidades como se fizessem parte de seus nomes desde o nascimento, e arrastam o ego para as alturas da mesquinharia e da falta de humildade.

O assunto ia até bem, quando já a caminho do trabalho, um carro entrou na nossa frente como quem faz uma ultrapassagem de fórmula um sem medo de tomar um “x”... então, prontamente fui sabatinado com a seguinte questão:

– Você sabe quantos metros um veículo anda se o motorista que vai a 40 Km/h resolve frear?
– Não seu Pedro, mas presumo que ande uns dez.

Nessa hora, só lembrei do meu velho professor de física, Chico Souza, que chamava a gente de “crionças” e dizia que no dia do vestibular o fiscal ia “babar” na nossa prova...

– Errado! O carro anda 15 metros e esse número triplica quando a velocidade é duplicada. Tem o tempo de tirar o pé do acelerador e o de colocar ele no freio. Tem a demora para visualizar o perigo e raciocinar mexendo ao mesmo tempo na direção e na alavanca de mudanças. E ainda tem gente que me diz que tava na Agamenon a 120 Km/h. Eu disse: você é um louco, que põe a sua vida e a dos outros em risco!

Bom, o que importa é que esse diálogo com seu Pedro me mostrou que minutos de conversa com pessoas experientes, simples e de bom coração (que às vezes, dependendo do seu estado de espírito, podem não demonstrar a calma que se espera que tenham), nos ajuda a avaliar a nossa própria vida: como estarei em 30 anos? Como tratarei as pessoas e qual o meu pensamento sobre os jovens e a humanidade? Esperarei... e espero ter racionalidade suficiente para fazer boas conjecturas no meu tempo de ser sábio.

18.10.05

Deixo-te ir

Deixo-te ir.
Não porque o amor acabou.
Deixo-te ir por te querer mais que a mim,
Por ser você e me sentir em ti.
Deixo em mim a resignação do fim,
Mesmo que os olhos te digam sim,
Mesmo que tua carne me deixe sedento,
E o pensamento vague sem rir,
E o meu sorriso custe a fluir,
E minha vida finde e afunde,
Em ruas toscas, rotas, ruins.

Deixo-te ir por amar demais a ti,
Por inflares minhalma em poesia,
Por saber que você a despertou,
Por arrancares a verdade de mim,
Por creres e me quereres tanto assim.

Deixando-te ir,
Terás paz enfim.
Serás feliz.
Eu, por castigo,
Sem teu cheiro vou viver,
Sem teu cítrico, teu ácido,
Sem teu corpo, provedor do meu abrigo,
Que em milhares de segundos
Confundia-se em um só ser.

Liberto-te nessa hora,
Em que a dor do não estar
Só emerge, só maltrata,
Compreendo teu sofrer,
Partilho dele em paralelo,
Também sofro, também choro,
Também morro pelo não ter.

Deixas aqui,
A certeza do amor maior,
Entre tantos que senti.
Deixas beijos e carinhos
Que não vão se repetir.
Deixo marcas em teu corpo
que o tempo vai extinguir,
em orelhas, cintura envolta em língua,
sem meu ombro pra chorar,
sem meu braço pra dormir...

Vais esquecer de mim,
Porque sabes se atirar,
Porque emana do teu ser
Esse dom em cativar.

Amo-te assim porque me cativaste,
E apesar de impensável,
Minha vida sem você,
Desejo-te a maior sorte,
Que encontres um outro ser,
Que o ame, e ele a ti,
Que te faça, rápido,
Nem sequer lembrar de mim.

Deixo-te ir,
O amor da minha vida,
Ideal, surrealista,
Imenso ainda a crescer,
Agradeço tua vinda,
Agradeço por amar você...

Obrigado.

17.10.05

Vésperas

Então eu fico assim
Na voz que soa mal
Parado, estranho em mim
Um corpo ferido em sal

Se falo, eu sou atroz
Se olho, é com furor
Não canto, não tenho voz
Desminto o que restou

Espanto quem me olhar
Desmonto as intenções
Não quero aproximação
Desista! Não sou seu chão

Às vésperas de contemplar
A minha anunciação
Sou fraco, só sei chorar
Sou louco, sou ilusão

O tempo leva tudo, apaga tudo

Aquele mesmo tempo que deixa sem letras os faxes ou os extratos bancários. O mesmo tempo que é cruel e chega mais rápido para nossos cachorros que para nós.

– Quantos cachorros já tive? E quantos deles morreram de velhice enquanto eu ainda era jovem? O tempo os levou...

O tempo é o implacável devorador de rostos e de sonhos. Quando damos por nós, envelhecemos, perdemos a chance de realizar o que planejamos a vida inteira.

– Depois eu faço, ainda tenho tempo.
– Não! Não tens mais tempo.

Ele passou por aqui como quem entra e sai de uma sexshop, sorrateiramente pra não ser notado, mas suas marcas são específicas, únicas, nos deixa cicatrizes, arrependimentos, remorsos... quando iremos parar de culpá-lo? Nunca, ele não merece!

O peso do tempo passando, enquanto existe uma decisão que precisa ser tomada é incomensurável. Ele não alivia o sofrimento, de propósito. A propósito, o tempo é, apesar de relativo, vingativo e terrorista. Não entende que as pessoas são complicadas mesmo e que é preciso andar mais devagar para a resolução de alguns problemas. A culpa é dele.

Não há nada mais velho que o tempo. Dizem os cientistas que no segundo zero deu-se início ao Universo. Por isso que não eximo a sua culpa, por ser tão experiente e “vivido”, deveria ser mais complacente e piedoso. Ao invés disso, tortura quem dele depende e não se mostra totalmente (fingido), apenas segundo a segundo, como quem se delicia com a dor e a angústia alheia.

Tenho que ir... não tenho mais tempo.

16.10.05

SIM ou NÃO?

Já notaram que a propaganda pelo SIM ou pelo NÃO, na questão do desarmamento, está um retrato fiel da competição publicitária entre os muitos presidenciáveis que já tivemos.

De um lado, aquela campanha em que as razões são demonstradas em depoimentos de familiares das vitimas da violência deflagrada por arma de fogo, e do outro a velha retórica conservadora que conjuga ataques concentrados em desacreditar o adversário. Ora, será que eles não aprendem? O motivo da propaganda gratuita, assim como a política eleitoral, é esclarecer o cidadão, demonstrar-lhe os atributos da pessoa em questão, ou a defesa dos seus argumentos, porém, o que se vê, em um dos lados desse novo embate, é a ultrapassada falta de respeito pela inteligência do eleitor.

Na campanha pelo SIM, vemos artistas como Chico Buarque, que por si só, já seria um bom motivo para o nosso voto em favor da causa por ele defendida, além da eloqüente lógica que condena a arma de fogo porque ela foi "feita para matar". Já a campanha do NÃO, conta com ilustres desconhecidos e reconhecidos mercenários em sua defesa, mercenários sim, porque o interesse maior, escuso das telas, é o financeiro, e pouco importa para os grandes detentores das ações das fábricas de armas e munição, se uma criança de 12 anos acaba com a sua vida ou com a vida do seu irmão de 14 com a arma que estava em poder do seu pai, ou se esse mesmo leva a dita "tiradora de vidas" para a escola e deflagra três tiros em seu coleguinha de classe porque ele não devolveu aquela borracha do HotWeels ou porque roubou a sua namorada.

Creio que, mesmo com a eliminação da venda de armas, a violência por elas criada não seja, de pronto, eliminada. Talvez não alcancemos o dia em que os números de mortes por bala se reduzirão, ou mesmo se aniquilarão, porém em algum tempo é necessário uma quebra da seqüência trágica que se assiste em tevês e se lê em jornais de massa, e o ponto inicial dessa quebra pode ser dado por nós. Se vamos usufruir dessa paz? Não sei, talvez não, mas nossos filhos, ou os filhos deles também não irão, se não levantarmos a voz agora.

Arma de fogo é um ato de covardia. É um combate sem chance para quem está desarmado, porém, se um plano ideal de ausência de armas for impetrado agora, o governo, qualquer que seja o próximo, terá obrigação de eliminar também as armas dos bandidos. Assim, como primeiro passo, ajudaremos na construção de uma sociedade de paz.

Se o referido referendo não aprovar o desarmamento, que é uma possibilidade, faremos isso nós mesmos, em nossa casa, em nossa rua, nossa cidade. A paz deve ser trilhada dentro do que somos, e depois para a nossa volta.

P.S.: a amizade é mais importante que as opiniões contrárias.

15.10.05

Um mundão de gato e cão

Não! Não é que seja ruim a contra-mão
Nem penso que o arsênico seria são
Faz tempo que os “The Beatles” tão no chão
Notou que já não tiro o seu blusão?

E as mãos na tua mão já não estão
Que os sonhos se tornaram ilusão
Segredos como músicas reverberarão
Aos olhos transeuntes de paixão

Se esquivam se mantendo em solidão
Desmentem o que grita o ancião
Que traz o absinto pra canção
E jogam a hipoteca da mansão

Na ausência se desvenda a imensidão
Já sinto que o ambíguo é a questão
Dos olhos que há muito sem visão
“Desvivem” afrontando a comunhão

Pra ver se conseguia ter refrão
Usando quase a imaginação
Criando o que aprendi por criação
Resolvi só rimar com coração

P.S.: Sei que existem muitas outras rimas para “ão”, mas cuidado com os comentários, pode ter criança lendo. Acho que podia ter ficado mais poético, mas não queria esgotar as rimas em questão.

14.10.05

Profissões e relacionamentos

Já há algum tempo eu pensava em escrever sobre algumas profissões e alguns profissionais, parece-me que algumas personalidades só “casam” com determinadas profissões, coisas que se atraem como imãs ou como macarrão ao molho e toalha de mesa. Não é regra, claro, mas a quantidade de gente que tenho visto com características de profissões, e vice-versa, é absurda.

As palavras não chegavam facilmente para transpor o tema, porém, li um texto, desses que vagueiam pela net entre aspas, mas com a autoria desconhecida, tal passagem causou-me uma enxurrada de idéias que se transformaram nas comparações abaixo, vamos primeiro ao texto:

“Era uma vez um rei narigudo. Quando chegou a idade avançada, quis o soberano deixar sua imagem para as próximas gerações e convocou o melhor pintor do reino para pintá-lo. Porém, ao ver seu perfil fielmente reproduzido no retrato, o vaidoso soberano bradou: "Cortem-lhe a cabeça"!

O segundo pintor convocado, tratou de pintar o rei de frente, diminuindo-lhe sensivelmente as narinas. O soberano era vaidoso mas não era burro: "Cortem a cabeça deste puxa-saco".

Um terceiro pintor foi então convocado e enfrentou o dilema: "se pintar a verdade estarei morto e se pintar a mentira, também". Acontece que o rei gostava de caçar e ocorreu ao artista pintá-lo com o rifle atirando de forma que seu nariz não aparecesse. E assim, o pintor conquistou um tesouro e o amor da princesa.”

Assim que li tal texto, ocorreu-me que as características que eu venho identificando nas pessoas ao meu redor podem ser traduzidas como a vontade de transcrever o mundo do seu jeito, e já que é mais cômodo se impor pelo exercício da sua profissão, elas se apóiam nesse pilar para demonstrar, em alguns casos, seus ideais e suas idéias.

Talvez por lidar diariamente com profissionais de ramos muito distintos, como: advogados, bancários, comerciantes, médicos, professores, jornalistas e artistas, para citar alguns, as características de cada profissão sejam por mim mais observadas, e findem por me permitirem a seguinte comparação:

Tal como o primeiro pintor, alguns, como direi... “céticos”, nessa lista incluo os advogados e essa gente que lida com e tem muito dinheiro, pessoas que “sabem tudo” e não aceitam facilmente a opinião dos outros. Obviamente há exceções. Conheço um, ou melhor, dois advogados que são gente muito boa, inclusive acho que um deles é um espírito de luz. Quanto à maioria deles que me cerca, acho que fazem a transposição dos problemas e transtornos, que são comuns a todos, para seu arredor, tornando “tudo” uma discussão de direito ou um cálculo de juros.

Já a segunda categoria, a que tenta dirimir a verdade, e que, com a faca entre os dentes, sai e enfrenta as adversidades, muitas vezes causadas pelo “primeiro pintor”, essa sim, pode-se chamar de “a categoria que sustenta o progresso”, são professores, jornalistas, alguns médicos, entre outros, que acreditam no que fazem, no que criam, e, aquém de recompensa, lidam com gente, e formam caráter.

O terceiro e último pintor é como a classe artística: pintores, escritores, músicos, e muitos outros mambembes que enxergam uma beleza na realidade, que extrapolam os limites da dor e do sofrimento a que são tão conectadas, pessoas que extraem de si, do seu íntimo, palavras, sons, versos ou atos que trazem paz e sorrisos, que promovem o belo e o admirado, que fazem arte...

Se você se inclui em alguma das duas categorias anteriores, faça arte! Descubra-se!

P.S.: O danado do terceiro pintor ainda "pegou" a princesa!

13.10.05

A falta de cultura da Cultura

Hoje eu estive em uma livraria aqui do Recife, uma grande livraria, que possuía a maior variedade possível em seu catálogo, além de seções de música e de espaços confortáveis para o deleite dos leitores enquanto lêem as orelhas das obras em vista, e, em alguns casos, enquanto lêem a obra toda.

O motivo que me levou a tal empresa foi puramente acadêmico. Precisei de duas fotos das seções de livros sobre música para finalizar meu projeto acadêmico. Cheguei ao balcão com a melhor das intenções e a maior das educações, para solicitar uma palavrinha com o gerente e explicar a situação. A recepcionista, também muito gentil, ligou para sua superior e em poucos minutos (não mais que trinta), enquanto eu lia a orelha do Manual do Revisor, de Luiz Roberto Malta, e outras orelhas interessantes, ela desceu para me atender: ­

– Pois não? – Perguntou, naturalmente.
– Olá, sou Alberto Spinelli, aluno da especialização da Universidade Federal (mostrando meu trabalho e explicando que seria um projeto explicitamente acadêmico) e preciso tirar duas fotos da seção...
– infelizmente não posso te ajudar, apenas uma pessoa poderia autorizar essa “operação”...

“Operação” soou como se eu estivesse engendrando um ataque internacional sob forma de espionagem industrial, e como se minha câmera tivesse “leitor gama” e “raio-x” integrados e pudesse revelar todos os segredos da arrumação das prateleiras e o acervo inestimável ali escondido.

– ... a Sra. Sônia pode liberar seu acesso à seção solicitada.
– Ok, posso então falar com ela?
– Um minuto: aqui está o seu cartão, ligue em horário comercial. Nosso escritório é em São Paulo e qualquer foto deve ser solicitada à assessoria de imprensa...
– Você não é a gerente?
– Não. Não temos gerentes, apenas coordenadores de seções e não possuímos autonomia para permitir certas “operações” – Olhem “elas” aí de novo.
– Obrigado então, até mais.
– Não vai querer o cartão?
– Não. Vou em uma livraria menor, onde haja um gerente que tenha autonomia, obrigado.

Claro que eu sei que a culpa não é dos coordenadores, nem das recepcionistas, nem tampouco dos manobristas da livraria. Se há um culpado, é o sistema das grandes corporações que invadem os espaços com seus estoques impecáveis, seu conforto e segurança, sua logística avassaladora, que sem dúvida, facilitam a venda, porém, o fator humano das relações cara a cara com as pessoas que resolvem os problemas deveria ser levado em consideração.

Tenho saudade da livraria de D. Joaninha, que ficava na Rua do Hospício. Era uma pequena livraria onde comprávamos ponta 0.5 e 0.7, e onde raramente achávamos o livro que queríamos, mas D. Joaninha sempre se dispunha a atender-nos pessoalmente, e às vezes, ainda ajudava nos problemas de progressão geométrica. Tenho certeza de que ela faria até pose para a foto das prateleiras.

P.S.: As grandes redes “acabam” com as histórias de pequenos cantos da nossa adolescência.

12.10.05

Refém

Inevitável é ser o que sou
Esse ser que soa tal fel
Que corrói a alma e o arredor
À espera de um afeto teu

Que apronta e desaponta assim
Desnorteia as ilusões de alguém
Que na busca de um ser pra si
Vive a ânsia de ser seu refém

Ser refém, ser tua voz
Pra não ter sequer extradição
Pra não ver o amor partir
Pra não ser só desilusão

Acordar no verão algoz
Na prisão do amanhecer
E que o novo desperte em nós
O que o fato deixou morrer

Ser refém, ser você em nós
Pra não ser o que vai partir
Pra não ter sequer que mentir
Pra não vir a esquecer de ti

11.10.05

O não sonhar é pior

Estranho não é acordar no meio da noite suando, como se acabasse de completar uma maratona – apesar do climatizador, nem é levantar assustado e com dor de cabeça, daquelas de rachar o “pino” que liga os hemisférios da caixola, como se toneladas de areia e brita se derramassem sobre ela. Esquisitos mesmo são os sonhos que, vez por outra eu tenho, e que de tão reais, preciso de minutos para que recoloque a realidade no seu devido lugar.

Outro dia inventei um suicídio na ponte Maurício de Nassau, perto do Marco Zero. Bom, em sonho pode tudo, não é? No final da ponte havia uma altura relativamente grande para a água poluída do Capibaribe, e na sua base uma porta que dava para um navio, ancorado na rua ao lado, aquela mesma que vai dar no Paço Alfândega. Até aí tudo bem, apesar da completa falta de talento para suicida que eu tenho, creio. Joguei-me! A queda foi uma daquelas em que a gravidade é desafiada e que a trajetória conflita com as regras mais básicas da física. Enfim, cheguei ao leito do rio, molhado é claro, nu, estranhamente com um celular na cintura. Não me perguntem como pendurei um celular na cintura estando nu... lembram que em sonho pode tudo?

Após ter sobrevivido à queda, e ainda mais, ter saído da água sem nenhuma intoxicação fulminante, como se meu corpo possuísse todos os anticorpos daquelas crianças que saltam felizes no canal da Agamenon. O aparelho tocou, ainda bem que não vibrou! Medo de choque... sei lá! Alguém me chamara para entrar no navio por uma portinhola que se abrira no lado do paredão à margem do rio. Era a única pessoa que eu conhecia no navio, a única com cabelos grandes, nem loiros, nem morenos, numa cor entre âmbar e ocre.

Todos no navio também estavam nus, porém, a conotação sexual não existia ali. Ninguém se importava com a nudez alheia, mas todos reparavam nos celulares dos que estavam a bordo, pendurados na cintura, sem amarras e sem clipes, ainda bem. De repente, a pessoa que eu conhecia chamou-me para atravessar o salão, no qual uma banda atacava de Beatles, ou seriam os caras de Liverpool mesmo? A segui até uma sala, no outro lado do convés. Notei que nas suas costas os cabelos eram mais longos ainda e que asas tentavam se esconder embaixo deles. Quando chegamos à tal sala ela se virou pra mim, e foi então que acordei, sem identificar a amiga e com a repentina taquicardia que descrevi no primeiro parágrafo.

P.S.: Alguém aí sabe interpretar sonhos?

10.10.05

Gêmeos

É engraçado se descobrir nos textos dos outros. A gente sempre pensa que nossa vida é única, que não existe ninguém que pense exatamente igual a nós, e muito menos que haja por aí “sentimentos siameses”, tão iguais aos nossos que quase acreditamos em transmissão de pensamento.

Às vezes me deparo com textos que – além da essência – as seqüências das palavras, o encadeamento das frases e até as paroxítonas usadas são tão similares, que vasculho meus escritos anteriores para saber se não tivera deixado dicas... epa! E se eu não conheço quem escreveu. E se o texto foi achado meio que sem querer, através de seqüências aleatórias de cliques soltos na imensidão da web...

Há quem creia que as atividades cerebrais podem ser captadas por certas pessoas, que se “antenam” por algum motivo, em algum instante, com nossas histórias ou sentimentos. Talvez por isso, ultimamente, tantas “coincidências” intelectuais tenham aflorado. Ou, por outro lado, as emoções quando direcionadas a razões sentimentais, se mostram tão singulares que forçam uma convergência gramatical.

Agora a pouco encontrei um texto que me remeteu a essa sensação que eu devera ter escrito isso, como acontece em certas canções, ou em certos textos que leio. A propósito, o texto em questão foi encontrado no estuário, site alimentado por Samarone Lima: professor, tricolor e dono de bar, fomentador desse lugar onde a arte e a vida se erguem em poesia, dele e dos seus amigos e leitores. Parabéns Sama, que as coincidências alfabéticas sejam compartilhadas por todos.

P.S.: Um dia, quem sabe, terei gabarito pra postar algo meu no estuário, nem que seja nos comentários.

Serviço:

Onde:
estuariope.blogspot.com

Quando:
Quando a essência precisar ser expelida

Por quê?
Porque é bom

9.10.05

Passarela de sentido

A vida ensina, menina,
A não se arrepender de um grande amor.
Quando a ferida sentida,
Deixa o peito, sara, curou.

A cara nova, que agora,
Seu sorriso inaugurou,
Transborda vida e não deixa
Seqüelas do que passou.

De samba em samba a noite inteira,
Na quarta-feira, no bar do tricolor.
Atecubanos nessa quinzena,
Mais uma semana acabou...

Agora o lado dessa moeda,
Que a melodia não contou,
Demonstra nada, não sorri nada,
Sem sabe se isso terminou.

Termina nada, acaba nada,
Fica na cara, como sarda,
A noite passa, a vida passa...
E mais uma semana acabou.

8.10.05

Aniversários são assim, às vezes

Hoje faz dois anos que a id mudou-se de Casa Forte para Santo Amaro. Dois anos que passaram num piscar de olhos. A “firma” recobrara um lugar só seu, espaçoso, agregador, despojado, apto para criar e difundir cultura.

Inicialmente a nossa idéia era transformar o espaço em um local onde se discutiria arte, design, comunicação e idéias, porém, alguns dos fundadores da concepção desistiram no meio do caminho, então, eu e Fred chamamos Goody para dar prosseguimento, no que tornou-se um conglomerado de empresas que iria atuar na mesma área pensada anteriormente.

No dia 30 de outubro de 2004, comemoramos nosso primeiro ano juntos. Violões, vozes, vodka e rango, fizeram parte desse evento. Porém, muito mais foi comemorado, tínhamos trabalhos gigantes, amizades gigantes, o sentido era único, estávamos construindo ciclos de vida que produziam resultados surpreendentes, antes inimagináveis.

Hoje, a id não está mais na sala 805, continuamos no mesmo andar, porém na 806, o espaço é menor, Fred não está mais conosco e não temos mais frigobar, mas temos prateleiras. Talvez por não termos tanta sorte com alguns clientes desse último ano, o desânimo tenha emergido, tenha nos deixado um pouco atormentados e, ao mesmo tempo esperançosos de que os ventos soprem no outro bordo. Pelo menos somos credores, e não devedores, desculpem o trocadilho!

Hoje não é dia de festa como no ano passado, coisas aconteceram, pessoas se ausentaram e não há mais música emanando dos cantos daqui, nem duendes, nem pingüins, nem jabás. O que nos conforta é que ainda temos tempo pela frente, e sabemos que, se as coisas não estão como antes, é porque devem estar preparando algo bom pra gente, em breve.

A id vai continuar produzindo o que foi concebida para produzir...

“...tudo tem seu tempo certo...”.

P.S.: Se pensarmos em como tudo valeu à pena... veremos que crescemos muito!

7.10.05

O maior da vida

Se mulheres são mesmo de Vênus
E o estresse é certo, real.
Eu sou o que te dizem: veneno.
Que não separa você do bem,nem do mal.

Se a alma esquece a razão,
E o espelho não cede à pressão,
Eu sou o que tu pensas: martírio.
Que tinhas e não tens maisnas mãos.

Antevejo as seqüelas que teu medo deixou,
Nas farras, nos sambas, nas festas que vou.
Sou mesmo o que achas: apenas um eu,
Que deixa um segredo, um sonho,
Que é teu.

Ainda que o querer se una ao que sou,
E os ventos me levem pra longe do teu ser,
O tempo vai querer você onde eu estou
E tudo me trará, como antes,
Pra você.

P.S.: sem P.S. é só uma música

6.10.05

Prisão ao avesso

Traços de cheiro revelam-se em camadas
Que os braços perseguem, em quartos, em salas,
De longe ou na pele, no frio ou na lava,
O som que se segue de ti se propaga.

Palavras tão raras em outras senzalas,
Na nossa são ditas constantes, sem freio.
Do gosto que as frutas jamais alcançaram
Que quase sem língua as sinto, já creio.

Nas horas em que, tal como crianças,
Queremos o colo, o peito, o recreio,
Vivemos momentos, mantemos a calma,
Exceto no instante que acaba o passeio.

5.10.05

Razões vagas, abismo na sola

A razão vive em um ístimo, que espera uma chave, um clique, um momento mágico para se desprender do cotidiano e tirar férias da mente. Quando isso ocorre, refugia-se nas profundezas do cérebro, que sem entender sua ausência, a substitui pela loucura, insana e desvairada, porém criativa e carismática.

Quando a loucura desperta, suborna outras partes do corpo, infiltra-se, trabalha disfarçada em corações e poros, ajuda órgãos a enxergar o lado doce do relaxamento, eles tornam-se preguiçosos, desprovidos de vontade, mas adquirem maior sensibilidade, atendem apenas aos anseios da loucura, que sabe usar sua influência para direcioná-los à sua vontade – e se sente à vontade para isso.

A loucura pode ser má, pode levar o indivíduo ao caos, e não abrir brechas para o retorno da razão. Já o caos, se instaurado, revela-se tão louco quanto a loucura, porém, com a vantagem de ser mais transparente, de se deixar perceber apenas com um olhar, nesse caso, há chances da razão voltar, de reassumir o comando do córtex, de “livrar-se” do abismo em que caiu e reassumir seu papel.

Contrariando Descartes, as evidências não serão tão aceitas como antes. Ao reassumir o controle, a razão não será a mesma, não confiará mais em seus ajudantes – os sentidos, não se deixará enganar pelas ilusões ou pelos gostos deixados em memórias infectadas pelos vírus da loucura e do caos. Tantos foram os buracos abertos na sua ausência, que o “pé atrás” fica inevitável.

A razão retorna mais forte, mais dinâmica. Agora ela criou ligações neurais com o resto do corpo, e há quem a chame de louca!

P.S.: todas as boas razões provêm de loucuras depostas!

4.10.05

Descomplacência

Se a vida que me deste, não quisera
Se os laços do meu canto, desprendera
Sem mastros, sem ventos, com sequelas
Viver já não devera, nem pudera

Na faca a percorrer minha janela
Que ao centro do teu peito remetera
Sem sequer ter abrandado as mazelas
No fogo da desgraça me mantera

Não passa essa presença que me enterra
Não vejo mais nem graça, só revés
Assumo a certeza que pudera
Amar sem arrastar-me aos teus pés

Teu nome em meu silêncio se propaga
Não passo de lembranças da sacada
Agora que o suplício acabara
Não tens mais minha mão, nem minha fala.

3.10.05

A prosa da massa com o músculo

De prosa, verso e viola
Num sei se vou ser dotô
Só sei que quando a caixola
Se abraça com o sofredô
As frase tudo se encaixa
E o mote pega valor

Das briga que nóis se debate
Que num sobra nem fulô
Das ditas que nóis se remete
Pros quinto do queimadô
Que vai lá no pé da serra
Pru mó de chorar com dor

Mas se o canto despontá
Pro lado do pensar só
Aí começa as bronca
De ter que amargar jiló
De ter vivido o confronto
Ou de viver quase que só

Nos prumo que as coisa toma
Faz mais quem fizer mió
Mas quando o corpo reclama
Aí quase nóis vira pó
Saudade da gente chama
Quem vê sente logo dó

Num quero fazê vexame
Nem quero dizê já vou
Num sei se a vida acaba
Nem sei porque começou
Só sei que vou é vivendo
Fazendo mote... sem rancor

P.S.: temos ponderado bastante?

2.10.05

Cissiparidade

Quando algo se divide, as pessoas tendem a demorar um pouco até o cérebro entender – não aceitar, apenas entender – o que aconteceu. Desde os tempos em que os primatas ancestrais “tocaram o monolito”, as discórdias e separações começaram a acontecer. Na verdade elas já aconteciam antes da transgressão táctil, mas a consciência só ali despertara...

Talvez por acomodação ou por alusão a um sonho que se cultiva e que é natural dos seres humanos, os relacionamentos sejam desprovidos do botão TILT, que serviria para desativar a continuidade da relação, facilitando a divisão proeminente. Assim, a cultura sentimentalista das sociedades atuais estaria mais próxima da praticidade mecânica e eletrônica dos sistemas computadorizados... tô viajando muito, desculpem.

Voltando à vida real: fissões acontecem o tempo todo nas relações, sejam elas profissionais, pessoais ou até transcendentais. A ponderação é que é subjetiva, e a teimosia dos envolvidos é o que define se o processo será amigável ou litigioso, ou até se não vai dar em nada. Geralmente há conflito de interesses nessas descontinuidades, e o envolvimento de terceiros acarreta mais confusão.

Divisões serão sempre amargas, seja quando casais se separam, quando clubes de futebol trocam seus treinadores ou seus atletas, quando o partido se degladia, quando largamos a mamadeira ou quando as férias acabam. Sempre estaremos à mercê da saudade e da vontade de estar com o que nos foi roubado, direcionamos as forças para um único caminho, naquele instante em que gritamos, mesmo sem falar: “estou contigo”. Quando o pensamento não é “uno”, o que resta?

P.S.: prometo que o próximo será um mote, levinho para não sufocar neurônios!

1.10.05

Agruras dos escribas

Talvez eu deva escrever mesmo, talvez deva botar em pixels tudo o que eu penso, não importando o que os outros pensem, nem se isso trará os mais diversos problemas...

Tal como um compositor que cria sem saber se sua música será aceita, sem se preocupar com as críticas que poderá vir a receber, sem se deixar influenciar por elas.

Talvez deva mesmo escrever, com a velha falta de métrica corriqueira. Não sou técnico nisso, talvez por isso tenha tanta compactação incrustada nos meus textos, tanta subjetividade nas entrelinhas que apenas algumas pessoas podem decifrar, talvez o sentido se feche muito rapidamente, às vezes até antes do final do primeiro parágrafo. Acho que sou apressado. Já disseram que, apesar do jeito leve, eu levo as palavras dos outros muito a sério, acredito nelas, acho que, se foram ditas em momentos impensados (de raiva ou de dor), teriam sido sinceras e, mesmo que desditas pós-martírio, enraízam-se.

Escrever talvez seja uma forma de perpetuação, uma maneira de deixar marcas no mundo. Só escrevo porque tenho marcas deixadas em mim. Só me reporto ao alfabeto quando os pensamentos encontram-se congestionados, quando o cerebelo e o hipotálamo brigam por espaço. Isso me desafoga um pouco, não muito, quase nada, mas ajuda...

Não consigo escrever por pedido ou pressão, talvez por isso seja conciso. Dizem que às vezes contundente, mas o sentido não é tal. Escrevo porque me vem como insight, como arrepios de campos elétricos, ou como cheiros e gostos de frutas, nunca como premeditação, nunca como ganância ou acordo obscuro. Escrevo por mim... por nós.

P.S.: acho que voltei.