26.12.05

Todo mundo pra fora!

Ontem eu estava lendo Veríssimo, aquelas Comédias... numa crônica, encontrei um casal na cama, momentos antes de iniciarem o ato sexual. De repente, sem ninguém esperar, ela começa a dizer coisas do tipo: – não estamos a sós aqui! – Claro! Era o pai dela que se unira aos dois pra ficar olhando, e não era só ele, tinha também o seu superego que às vezes se confundia com a figura paterna, mas seu namorado logo tratou de explicar que eles eram “pessoas” distintas mesmo, como lhe dissera seu analista. Causou-me estranheza, o cara também ter essas nóias, o que se esclareceu rapidamente, quando ele disse que o analista também estava na cama com todos eles, além, é claro, da sua mãe.

Já que a mistura estava ficando muito cosmopolita, e a cama não era lá das melhores, continuei lendo o texto, esperando o momento do crash, acho que estava querendo mesmo ver aquela cena: todo mundo nu no chão do quarto, rindo da situação ridícula imposta pelas suas presenças... opa! Ainda tinha mais gente pra chegar: o cara sai com uma que, na verdade, cada um deles (o casal) eram três, ou seja, seis: o eu, o alter e o superego. A coisa só esfriou quando a mulher disse que o Mendoncinha tinha acabado de chegar à festa... é isso mesmo, o Mendoncinha, aquele namorado que a desvirginara!

Foi a gota d’água! O cara já não tava muito à vontade diante daquela suruba familiar, e agüentar o Mendoncinha já seria demais... deixaram a transa pra mais tarde, o que deve ter desagradado muita gente naquela cama, inclusive o Mendoncinha!

Veríssimo sabe, como poucos, retratar a vida em contos rápidos e hilários. Não sei se ele se inspira em amigos, ou nele mesmo, ou na família, ou ainda, se cria tudo sozinho, mas sei que o faz com a destreza que lhe é peculiar e com a precisão de quem nasceu sabendo!

Acho que na “vida real”, tem gente que faz isso mesmo. Gente que não consegue separar as preocupações, aflições e fantasmas, mesmo nas horas mais sublimes da sua curta passagem por aqui, do eterno momento do amor. Gente que vê conta de luz na hora do clímax, que vê outras pessoas em um instante em que só dois interessam. O único ego que o casal precisa nessa hora é o EGOísmo, de um para com o outro... que se amem e aproveitem o instante, que é deles, e se dêem, e se amem!

23.12.05

Telepatia natural

Desde cedo, muito cedo, acho que eu devia ter uns 11 ou 12 anos e cursar a 5ª ou 6ª série, algumas pessoas destacavam-se do restante dos colegas de escola, pelo simples fato da antevisão das mais diversas reações, uns dos outros; do poder telegráfico de um olhar, mesmo inconscientemente. Era como se soubéssemos o que o outro pensava, na exatidão dos sentimentos. Alguns desses amigos continuaram a fazer parte do meu convívio, por mais alguns anos, formamos até aquelas bandinhas de garagem e festivais.

Hoje, não os tenho mais por perto, por vários motivos: mudanças de residência e de vida, afastamento natural, rumos distintos e até mesmo a morte. Mas sempre encontrei amizades com essa peculiaridade, esse poder, quase telepático, de olhar e desvendar o pensamento! Geralmente é gente que diz logo de cara: gosto de você de graça! E eu também os digo isso. Talvez eu seja gente boa, ou talvez o destino tenha colocado esse povo “gigante” de coração no meu caminho mesmo.

Noutro dia, na livraria Imperatriz, encontrei sentado em uma dessas poltronas que botam pra gente ler orelhas, ou até mesmo o livro inteiro, se nos convir, um senhor que aparentava seus 68 anos, um tanto careca, como presume-se ser os que passaram por um número incontável de “aperreios” e preocupações na vida, porém, assustadoramente tenro. Sua serenidade chamou minha atenção, senti que o conhecia de algum lugar. Estranhamente já havia tido essas sensações antes, como se soubesse que sua índole se enquadrasse na descrição daqueles amigos espontâneos e sinceros, que gostam da gente “de graça”.

Encaminhava-me à seção de ficção quando passei por ele, compenetrado, lia o prefácio de um esguio livro de capa roxa. Eu não tinha a intenção de perturbá-lo, mesmo porque a sua expressão àquele instante, era de quem tentava destrinchar um trecho de digestão lenta, quando, subitamente, ele exclama:

– Metáforas!
– Desculpe, senhor?
– São as metáforas, meu jovem, que permitem a sublime expressão poética, sem culpa ou prepotência, principalmente quando a sua mensagem deve transcender os limites da comunicação tradicional, ou andar encoberta por cortinas de reflexos onde o seu conteúdo seja claro, para quem precisa dela.

Perguntei se ele era escritor, respondeu que sim, que havia escrito muitos livros, todos eles com poesias direcionadas à sua ideologia, seus amores e seus conceitos sobre como o mundo deveria ser. Com isso, conseguiu realizar grandes coisas na vida, verdadeiras revoluções, e até ganhar um Nobel de literatura.

A conversa estava tão boa, que não dei por conta da passagem rápida do tempo (tem vezes que parece haver uma bolha de Cronos em nossa volta, que não nos deixa perceber o quão rápido passa a vida, voam os momentos sublimes). Perguntei o seu nome, e se havia livros dele naquela livraria. Ele me levou à seção de poesias e apontou para uma prateleira recheada de pequenos livros de bolso, todos de um mesmo autor, Pablo Neruda.

Quando retornei a vista para o corredor, não achei mais sinal do poeta, ainda assustado com o “desaparecimento”, percorri os corredores à sua procura, sem sucesso. Então, perguntei ao segurança da loja se ele vira o homem que estava conversando comigo minutos antes, quando ele me disse o seguinte:

– Não amigo. O senhor estava sozinho, lendo aquele livro de capa roxa, sentado naquela poltrona... sozinho.

P.S.: Encontrei Neruda há pouco tempo, mas a vitalidade de seus escritos soou como um estampido seco em minha diminuta e limitada, porém apaixonada veia poética, que sente como “Se cada dia cai, dentro de cada noite, há um poço onde a claridade está presa.”
Citação de Pablo Neruda (Últimos Poemas).

19.12.05

A curiosidade quase matou um homem

Todo mundo sabe que mulheres são muito, muitíssimo mais curiosas que homens. Há os exemplos mais clássicos possíveis a respeito desse comportamento: em um deles, com base religiosa, deu-se quando Eva induziu o pobre Adão a dar uma mordidela na tal maçã, causando suas expulsões do paraíso, como sabemos. Também pudera, Deus deixa a faca e o queijo nas mãos de dois “famintos”, e ainda espera que eles, apoiados por um tal de livre arbítrio, não o coma, e, diga-se de passagem, muito bem comido, afinal, estamos aqui!

Acho que Ele já sabia o que iria acontecer, mesmo porque deixou uma serpente lá dentro que garantiria a confusão; em outro exemplo, este com base científica, a curiosidade feminina foi benéfica para o desenvolvimento da humanidade. Enquanto nós, há quatro mil anos, trogloditas puxadores de mulhe sapiens pelos cabelos, saíamos em busca de mantimentos e de caça para o sustento da tribo nômade, as mulheres, que ficavam no “acampamento”, observavam as crianças, os insetos e a germinação das sementes de frutas atiradas no “lixão”, descobrindo assim, a agricultura, e conseqüentemente, tirando o homem do seu estado extrativista e colocando-o um passo acima na evolução: viramos sedentários.

O motivo real deste texto está relacionado diretamente ao tema, e aconteceu com duas almas conhecidas, predestinadas a viver juntas, diziam alguns, mas que por algum motivo sórdido, ainda não conseguiram “acertar os ponteiros”.

Por não saberem, ao certo, o porquê daquele amor imenso, buscavam informações em todo tipo de fé: estudos grafológicos, crendices populares, e até no sobrenatural. Eles sabiam que não poderiam viver um amor quase inabalável, enquanto algumas arestas não fossem aparadas. Quando juntos, era como se um êxtase de conforto e paz os envolvesse em gestos e olhares de sublime encantamento. As poucas horas passadas juntos, lhes valiam como vidas inteiras. Se amavam, não se largavam, e se amavam de novo, e de novo...

Até que um dia, a distância que seus mundos lhes impusera fez com que três palavras iniciadas com “c” os pusessem à prova: para ela, a curiosidade por um outro caminho... um caminho, talvez mais fácil, e menos doloroso, apesar de menos “recompensador”, creio, fez abalar as sólidas diretrizes dele. Fora tomado por um acesso de ciúme, desses vorazes que elevam a temperatura do peito, causando um tipo de azia cardíaca, deixando vir à tona sentimentos como insegurança e descrença, nunca dantes experimentados, resultado: medo de perder a sua essência, de não agüentar o sofrimento, de secar.

Mas algo mágico, ainda estava por acontecer, alguma reação em cadeia que iria os tornar aqueles seres desejados, unos em sincronismo, complementares, cúmplices. E era essa a última palavra com “c”, cumplicidade, que os faria viver a maior e mais arretada estória de amor que eu já ouvi falar, e que, tenho certeza que será eterna, enquanto viverem...

P.S.: Obrigado a vocês, mulheres, pela mordida, pela agricultura, e pela cumplicidade.

15.12.05

O imprevisível ser

É entre sutilezas, improvisos e imprevistos, que a vida nos revela momentos mágicos. Há quem aproveite o enredo para enaltecer as maravilhas da natureza, ou para demonstrar as perfeições do cosmo e suas inter-relações, ou ainda a beleza de pintura de um gol, de virada, de bicicleta, aos 47 do segundo tempo! Ufa! Mas prefiro ressaltar as pequenas reações humanas, que emergem em momentos inesperados.

O telejornalismo é um exemplo corriqueiro desses acontecimentos inusitados. Dentro do contexto, lembro de três ocasiões onde as reportagens tenderam para desfechos, no mínimo, cômicos, apesar da seriedade que o momento exige, afinal, seriedade transmite credibilidade, que é o que garante a audiência em um programa jornalístico.

O primeiro fato ocorreu quando Lílian Wite Fibe teve que noticiar uma apreensão de dez mil comprimidos de ecstasy, efetuada pela polícia de Miami, onde os traficantes (na minha opinião, os protagonistas) eram uma velhinha de 81 anos e um suposto namorado de 56, que na sua declaração à polícia disse saber da existência das pílulas, porém pensou se tratar de comprimidos de Viagra. Palavra chave para detonar uma crise de riso na apresentadora, que passou mais tempo rindo descontroladamente do fato, que na leitura da reportagem, e acabou por finalizar o jornal lindamente, com a classe que lhe é peculiar...

O segundo fato foi a entrevista que todos viram, em que Bianka Carvalho conversava sobre nutrição com Ruth Lemos (nutricionista pernambucana), quando aconteceu a maior crise de gagueira ao vivo que se tem notícia na televisão brasileira. O infortúnio, causado por um delay no som do ponto auricular da entrevistada, a confundiu e causou um dos maiores sucessos de disseminação de arquivo de vídeo na internet (teve gente dizendo que no mesmo dia já havia visto o vídeo em um site japonês). Neste caso, o ocorrido ajudou na popularização da “vítima”, que foi ao programa do Jô e fez até anúncio para companhia telefônica.

O terceiro é mais recente, ocorreu quando Sandra Annenberg e Evaristo Costa pegavam o retorno da reportagem onde o prefeito de uma cidade decretou que “ninguém poderia morrer” devido à falta de vagas no cemitério de sua cidade. Quando a câmera voltou para os referidos âncoras, os dois estavam debruçados na mesa, sem condições de falar, um querendo passar para o outro a “bola” e dar prosseguimento ao jornal.

Todos estamos sujeitos a situações em que o consciente perde o controle da ocasião e o tal do alterego não consegue suplantar as vergonhas ou emoções, principalmente quando acontece uma relação onde os olhares se voltam para nós ou quando o nervosismo (que não foi o caso da maioria dos fatos acima) nos absorve.

Uma vez, quando tinha uns 14 ou 15 anos fui pedir uma menina em namoro – soa tão antigo, né? – Marcamos na praça, a avistei quando ela dobrou a esquina, mas, ao me aproximar, quem disse que saiu alguma palavra? Nada! Baixou um frio de rachar, apesar da temperatura amena (25º, estimo), uma batedeira de queixo, e a completa fuga de quaisquer palavras... nem boa noite eu dei.

P.S.: nunca namorei com ela, mas em compensação, nunca mais aconteceu uma "pane" dessas... graças.

Reticências

E a vida a dois, renovada aflora
Em traços, complexos como os de Gaudí,
São meus braços loucos que te esperam agora
É minhalma ferida, que agora sorri

Tua calma que aflorava sozinha outrora
Agora, passa a fazer parte de mim
Entendo o sofrimento que tanto te devora
É como se o ar faltasse, sem tê-la aqui

Não te culpo por amar sem hora
Por ter horas em que odiar seria conforto
Te conforto enfim, por me esperar agora
Como certo que me faço do meu gosto

Ah! Antes que eu esqueça do sentido
Sinto sua alma de volta, amando, comigo.

12.12.05

Prólogo incontinente

– Se você continuar se comportando assim, findará por quebrar alguma parte do corpo, ou por adquirir alguma doença. Sabia que tinha gente que morria disso, antigamente?

– Muito pior, meu amigo, são as seqüelas do coração. Tais perdas não contam com a ajuda alheia para sarar. Bandagens e ungüentos não aliviam a dor, nem saberia indicar, ao certo, onde colocá-los. Sim! O amor mata, desconcerta o corpo e a mente, mas sem ele, as dores do mundo inteiro seriam sentidas na pele com todo furor. Se amamos, abrandamos os males, às vezes, nem sabemos deles, mesmo que estanquem em nossa frente.

– Vocês, metidos a poeta, pensam muita asneira. Não vêem que os amores vão e vêm, assim como as amizades. A vida sempre continua, independente deles, ou melhor, ela anda até melhor, se não se apegar a eles.

– Ledo engano. Não buscamos a poesia para expressar nossos pensamentos. Ela nos procura, nos aponta o caminho, como um labrador à sua caça. Fica imóvel, observando, esperando o nosso sangue atingir a temperatura certa, o “ponto de ebulição” do pensamento poético, e então, quando estamos preparados, nos atiça rápido, alçamos vôo sem medo de cair, sem limites de velocidade ou trena de palavras, sem prantos, mesmo que os demonstremos em nossos verbos.

– Não entendo vocês! Se sabem que vão cair, porquê saltam? Pés no chão e a certeza da não queda seria uma atitude mais prudente, diria até mais inteligente, mesmo.

– O inteligível passa pelo consciente, mas não há razão tão forte quanto o poder da emoção. Tais intelectualidades diluem-se quão lágrimas em oceano. É como tentar evitar que o algodoeiro se molhe numa enxurrada de desejos. Precisamos de tais sentimentalidades, nos fazem viajar, quase atingir o sol, contorná-lo e voltar para sentir a reciprocidade.

– E os que são sós, vão ter bem a ver?

– Sim, amigo monossilábico. Esses terão o respaldo da sua própria alma, e dos que o lerem por toda a vida, pois, como cuneiformes, em remotos tempos, perdurarão, pelo menos para quem os amou, e já é mais que suficiente para a eternização do ser.

– Entendi.

– Um abraço.

P.S.: adormeci e fui dialogar com outros camaradas...

9.12.05

“Indignação indigna”

As arbitrariedades e o abuso de poder estão presentes em todas as esferas da sociedade, acho até que são inerentes à psiqué humana. Sempre me deparo com situações em que a injustiça anda lado a lado com a arrogância e a falta de crescimento interior de alguns.

Há alguns meses eu vinha dirigindo pela avenida Agamenon Magalhães (acho que toda cidade tem uma), quando o sinal de trânsito “amarelou”. Dava para passar, mas resolvi frear porque a velocidade que eu vinha permitia isso, o mesmo não aconteceu com um carro que estava ao meu lado, por vir bem mais rápido que eu, o motorista acelerou mais um pouco e o transpôs enquanto ainda estava no amarelo.

Um guarda de trânsito que estava na esquina, apitou, sacou sua esferográfica Bic, e começou a expedir a multa. Infração gravíssima, já que se tratava de um suposto avanço de sinal vermelho (sete pontos na carteira, fora a grana), naquele momento, baixei meu vidro e argumentei com o “verdadeiro infrator”: o guarda, que o sinal ainda estava amarelo, quando o carro passou. Rapidamente, ele retrucou apontando a caneta para mim:

– “Fica calado, senão eu multo você também!”

Obedeci. Fechei a janela, esperei o sinal abrir e segui o fluxo, indignado com a reação do policial, que por razões injustas, pelo menos para quem foi multado ou ameaçado, usou o, para ele, “grande poder da autuação”, para desafogar mágoas pessoais, problemas em casa, com a mulher, cumprir metas, ou sabe-se lá o quê?

Minha indignação foi maior comigo mesmo. Talvez, atitudes de omissão como a que tive, sejam o que mantém esses fatos acontecendo à nossa frente, à luz do dia. Talvez o certo fosse chamar uma autoridade e relatar o fato, ou ir aos jornais, ou descer do carro e o afrontar pessoalmente... mas tive medo que o sistema já estivesse corrompido, e pudesse acontecer o pior, ou, no mínimo se ratificar a multa da ameaça.

Em outro caso, “deu em o jornal” que uma juíza fez, realmente, uma convergência proibida e o guarda, acertadamente a multou. Ela estacionou, identificou-se como magistrada e exigiu que o policial retirasse a infração. Ele não cedeu aos apelos abusivos da “cidadã acima da lei” e a multou realmente. Resultado: agora o policial que foi defender seus princípios, está regulando o trânsito em Cabrobó, devido à sua transferência da capital, solicitada, adivinha por quem?

A omissão tem sido um fator que, às vezes, se torna pior que o ato arbitrário, por possuir efeito cumulativo. Quando ocorre tal falta de ação, deixamos para os nossos sucessores, a possibilidade de encontrar o mesmo destino: a injustiça cruel das imperfeições humanas.

P.S.: farei os esforços que puder para não ser omisso, principalmente quando envolver pessoas amadas e desejos reais.

7.12.05

Estudo anárquico das metodologias poéticas

Fiz uma coisa terrível! Reescrevi um soneto meu, compondo-o com a métrica que nos é proposta pelos “auditores” literários. Utilizei rimas emparelhadas, que se demonstram pelas seguintes seqüências rimáticas: ABAB (que mais parecem um gabarito de vestibular, ou uma cadeia de DNA). Alterei também a composição dos seus catorze versos, que na nova versão estão em três quartetos e um dístico, no lugar dos dois quartetos e dois tercetos do original.

No tocante ao conteúdo, sou suspeito para dizer qual me agrada mais, ou até se algum agrada, porém continuo achando que o motivo é mais importante que a métrica, ou até mesmo que a rima. Como o próprio nome já diz: mova-se com seus motivos e encontre-se!

O título dos dois é um só: Desapego ciclonal


1- Soneto sem regras


De um leve toque no frio da noite
Vê-se o açoite que a mão produz
Desapegado das dores e dos andores
De sombras que se transformam em luz

No puro gosto pelo deleite
Afronta o seu tombo súbito
E a noite que fora tão eminente
Floresce em raios nítidos

Se sou mais carne que sentimento
Não falo. Sou quase mudo
Não vivo, quase vegeto

Se sou sentido em meu tormento
Me solto, sou livre ao vento
Me castro, se ao relento


2- Soneto métrico contido

De um leve toque no frio da noite, fez-se brisa
Soprando pra bem longe as dores da mão de ferro
Despeço-me das dores, andores, da pele lisa
E de tantas sombras que me fizeram soltar meu berro

Se do deleite não mais suportava a ausência
Discordo da queda que a meu ego impões
Nas noites de pura e simples descomplacência
Acrescentas a luz aos desejos de que dispões

Te jogo contra minha carne, meus sentimentos
Na ausência do teu falar, que dizes que provoco
Ainda quero sim, te passar os meus tormentos
Pra não ser o único ser a viver nesse sufoco

Pra me soltar da brisa e aproveitar inteiro o vento
Me castro das proteções do ego e vivo ao relento


Hoje em dia, já há “doutores” literários que aceitam as diversificações dos versos e de suas contagens, como que se a força que os move fosse, e acho que o é, maior que as minúcias das contagens tonais.

P.S.: talvez a essência tenha desvirtuado, mas a alma, em si, continua querendo encontrar o caminho que me ensinaste...

6.12.05

Os novos analistas

Há muito, muito tempo (sempre quis começar assim), nesta mesma galáxia, no mesmo planeta, antes da chamada “civilização moderna”, bem no início do período medieval, quando a Igreja ainda estava solidificando suas posses e sua doutrina, a custa de sangue, sacrifícios e de batalhas motivadas pela ampliação dos “feudos eucarísticos”... começou, ou melhor, se fortaleceu o processo que demonstra a capacidade humana de encontrar formas para solucionar problemas de relacionamento íntimo, inerentes a todos.

Neste caso, a inquietude do ser, ante seus próprios defeitos, justapostos à imperfeição das relações com indivíduos da mesma espécie, foram percebidas por estudiosos da natureza humana, eclesiásticos, no caso, possibilitando a criação de um método para desafogar mágoas ou pecados, comuns a uma sociedade que não conhecia os limites do humanitário e do perdoável. No final do século XIII, criou-se então, o confessionário, responsável por administrar o Sacramento da Reconciliação (consigo mesmo, e com Deus), que só viria a ficar universalmente prescrito em meados do século XV, um lugar físico em que o próprio cristão extraía suas mazelas e fazia o expurgo do seu mal.

No filme A Ilha (The Island), dirigido por Michael Bay (que se assemelha em muitos aspectos ao livro O Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, – apesar de dizerem que o seu roteiro é “original”), a tentativa de se criar meros repositores de órgãos, seres sem consciência que serviriam ao único propósito de salvar vidas humanas (se bem que apenas as vidas de quem dispusesse de alguns milhões para tal benfeitoria), sempre falhava, porque os tecidos e células se degeneravam sem uma razão para viver, sem uma alma, sem ambições e sonhos. Considero tal visão como sendo a que os antigos religiosos, e até mesmo seus antecessores, tiveram sobre o futuro das conseqüências que a vida sem “o temer”, ou sem o alívio de quem não compreende sua razão poderia trazer. A solução foi providencial.

Mais tarde (século XVIII), em uma esfera mais próxima do ser real, terreno, difundiu-se a psicologia clínica com tratos psicanalíticos. A medicina da mente e seus precursores descobriram que análises e auto-análises, também são essenciais para o bom desenvolvimento cerebral. Podem ajudar pessoas que se encontram em conflitos ou passam por provações, a entenderem seu problema, que já seria um grande passo à resolução do mesmo.

Hoje, vejo que as análises e confissões de outrora, que ainda permanecem presentes à época atual, têm um novo concorrente (ou ajudante), um espaço destinado a praticamente todos, e a qualquer assunto, os blogs. Serão estes os novos “doutores” das almas? Estarão destinados à ajuda e à solidariedade? Se firmarão como fontes perenes de ajuda, ou de auto-ajuda?

É preciso que se diga que nem todos os blogs da web são destinados às relações interiores, afinal o espaço é livre, mas a partir do momento em que escrevemos a verdade do coração, o que sentimos realmente, revela-se prazeroso e vicioso. Tenho alguns exemplos de blogs assim, alguns estão linkados, outros em bookmarker, mas todos importantíssimos na minha estrada.

P.S.: foi um pouco denso no começo, mas tive que fazer essas comparações... como que martelassem no cerebelo, e findassem por eclodir nessas palavras, abraços.

5.12.05

Acontecência marcada

Ele era poeta. Dizem até que já nasceu assim. Desde criança se interessava pelo lado “micro” das coisas, das suas interações. Não olhava para árvores apenas como criadoras de sombra, mas enxergava as minúcias das reações simbióticas entre o ser, o meio e a essência; o que outros chamam de clarividência de energia, ou leitura da aura, ou força... seja o que for. E era assim em tudo, principalmente com as pessoas. As observava atento aos detalhes corporais: cada pausa do diafragma; cada gota de suor que escorria pelo rosto; cada sorriso roto após uma gafe cometida, ou solto após uma emoção sentida, eram notados e traduzidos em metáforas leves, tão leves que ao lê-las, sentíamos essa leveza ser untada em nosso ser, podíamos acompanhar a onda de arrepios somáticos que se estendia até os extremos do nosso corpo, como abalos sísmicos de pele, revirando pêlos. E assim era sua vida; de observações em observações, sem nunca querer mais da existência, senão o aprender.

Ela era independente, dessas mulheres que dizem usar o seu lado prático, e até o usam, porém, nunca pararam para perceber que seus sentimentos devem ser tratados com a atenção que a praticidade de suas ações não dispõe. Possuía um sorriso largo e amizades tórridas, não se desesperava com quaisquer dificuldades, as enfrentava e, geralmente, as dominava. Dizia-se bem resolvida emocionalmente, mas quem poderia prever aquele encontro? Qual lado emocional não se desestabiliza com a paixão?

Amsterdã seria a capital da cultura pernambucana naquela semana, pelo menos uma pequena parte dela. Motivos diferentes os levaram até lá. Ele participava do Fórum Global de Filosofia e Arte, conseguira passagens e hospedagem através de um holandês, que conheceu seu trabalho quando esteve em Olinda, no projeto “arte por toda parte”. Tornaram-se amigos, passaram alguns carnavais no Brasil, e quando a oportunidade apareceu, o convidou para a mostra de poesia durante o fórum.

Ela também adorava carnaval. O motivo que a levou à Holanda foi fazer uma cobertura jornalística da viagem de blocos carnavalescos pela Europa.

O canal Prinsengracht, perto do centro, virou o ponto de encontro de brasileiros que habitam o Velho Mundo. Todos queriam matar um pouco da saudade de casa ao som do velho frevo do Vassourinhas (deve ser o mais conhecido no mundo inteiro), e lá, entre um passo e uma tapioca ocorreu o encontro:

– De onde tu és?

Perguntou em português mesmo, afinal a camisa dela tinha a estampa da bandeira de Pernambuco com a caricatura grafitada de Chico Science, e não era fácil encontrar esse tipo de "moda" nos Países Baixos.

– Sou do Recife, e você?
– De Olinda.

Pela primeira vez as palavras sumiram de sua língua, talvez por ter em vista uma outra, a que sempre procurou em cantos encobertos pelo desejo, pelo afã de um beijo que o despertasse para o tão sonhado amor...

Ela também emudeceu por alguns segundos. Achava que atravessar o Atlântico para encontrar alguém que faria seu coração palpitar seria, no mínimo, inusitado, mesmo porque, estava a trabalho e sua praticidade não a deixava relaxada para coisas do coração.

Talvez tenha sido amor à primeira vista, afinal, o quê dizer daquele aperto no peito, do calafrio na espinha e da vontade que a noite se estendesse para sempre... (olha o sempre aí, de novo) ... alguns dizem que é paixão, tem gente até estudando os efeitos de hormônios em nosso corpo que, com o tempo aniquilam os efeitos intrigantes desses caminhos cercados de interdependências entre cúmplices.

O que sei é que já se passaram dois anos, desde o ocorrido, e que nunca mais voltaram para o Brasil, estão morando em Frankfurt e, pelo que sei, não pretendem voltar.

2.12.05

Previsões

Enxergar o futuro não é tarefa fácil. A não ser por certas previsões gerais, dessas que se faz para posteridade, são até simples de se dizer, como uma que ouvi nessa semana: – “... vai acontecer ainda neste milênio, quando o Oriente Médio ainda estiver em guerra. Haverá um tsunami que devastará partes da costa asiática...”. – Muito provavelmente, a guerra no Oriente Médio, que já se estende há milênios, perdurará por mais outros; falhas tectônicas sub-oceânicas, geradoras dos maremotos, não são assim tão raras; e, considero ainda o tempo proposto, que favorece em muito o acaso. O difícil mesmo é prever o futuro próximo, que nos afeta diretamente, e nos enlouquece de tanto forçar a massa cinzenta a procurar saídas para as confusões da vida!

Em algumas áreas de atuação, a experiência, aliada à sensibilidade, fazem as vezes da premonição e antevêem os acontecimentos políticos, monetários e até geoestatísticos, mas há setores em que a experiência não “vale absolutamente nada”, como nos casos de comportamento pessoal, que enquadram-se perfeitamente nos tipos de previsões impossíveis de serem feitas, mesmo pelo próprio “vivente” do caso.

O que dizer de pessoas que tentam projetar suas vidas sentimentais em cima de relações passadas, e dizem que “não errarão mais...” como se erros não se repetissem, disfarçados como insetos mimetistas, ou invertidos. Tais seres agem como se suas companhias (ou futuras companhias) não tivessem outros anseios ou vontades. Esses comportamentos são guiados pelo caos. Não é que não haja ordem nesse estado, é que esta ordem, flutua além da nossa compreensão quando se trata de emoção.

O futuro de uma relação depende do agora! Alimenta-se das decisões tomadas a cada instante, as digere! O que não podemos fazer, é dizer que “daria errado”! Numa clara tentativa de mentir pra nós mesmos, fazendo previsões que nem os maiores videntes de todas as eras acertariam! Depende de nós mesmos a manutenção da magia virtuosa que sustenta o amor futuro. Apenas de nós...

1.12.05

Crer ou não crer?

Estive considerando algumas verdades absolutas do Universo. Verdades que se impõem para todos, não apenas para alguns ou para a maioria. Coisas como: o amor é bom, ou o sol sempre renascerá, ou que a morte terrena é irreversível – claro que para muitas religiões, o corpo finda, padece, mas a alma, essa é indestrutível, algumas vezes o espírito retorna, em outras fica lá pelo céu, fazendo provão até ser reenviado à terra, umas ficam no limbo, mergulhando quando a lâmina vem, e outras ficam mofando à espera do juízo final.

Apesar de tais verdades fazerem parte da nossa existência desde os primórdios, creio que, em níveis diferentes de adesão, somos todos céticos. Não daqueles que desacreditam em tudo (toda unanimidade é maluca mesmo!). Tais correntes de pensamento são tão loucas, a ponto de dizer a um pastor da igreja universal que Deus não existe, e ainda pedir-lhe tempo e atenção para dar explicações passo a passo sobre big-bangs intergalácticos, etc, obviamente eles recebem a resposta que estão possuídos e que devem deixar que ele exorcize esse “demônio”, ao melhor estilo dogmático padrão.

Outras correntes são mais maleáveis, porém o que me impede de ser cético por completo, e me “filiar” a um grupo que quer desmentir ou conferir as minúcias do conhecimento humano, é a aceitação das crenças, dos gostos, das preferências e dos medos das pessoas, e a vibração com que reconheço essas particularidades em cada um. Viva as diferenças! Sem elas estaríamos mais para autômatos sem essência que para errantes ascendentes.

É muito bom avaliar pessoas, observar vivências e conhecer as reações do povo. O problema é quando fico sozinho, ou quando a avaliação é subjetiva. Perco-me! Às vezes não sei o que quero, ou melhor, não sei como fazer o que quero. Não encontro as respostas em mim, na verdade, em lugar algum... onde devo procurar?

Acho que vou acabar virando cético mesmo! E dos ortodoxos!

P.S.: sem P.S.