22.2.06

PernamCubanos

Nunca fui muito “cabeça”, apesar de me considerar “meio intelectual, meio de esquerda”. Mesmo assim resolvi ir a uma mostra de vídeo intitulado: “Desde Cuba hasta Pernambuco”, de Erasto Vasconcelos, que enfocava a musicalidade cubana em contraponto com a sua religião, estabelecendo parâmetros de inevitável comparação com nossa diversificação cultural.

Tanto em Cuba, quanto aqui, a cultura parece estar catalogada no cérebro das pessoas, bastando um estímulo externo para dar início a uma apresentação de dança, uma composição musical ou qualquer outra forma de demonstração inerente às maneiras de imposição das nossas raízes.

O povo cubano (apesar do sofrimento que passou e passa há décadas, causado por um regime antidemocrático imposto à custa de sangue e castrações), deixa aflorar musicalidade por seus poros. Isso foi muito bem retratado no documentário supra citado, cujo duas passagens chamaram a minha atenção e as descreverei:

A música acima da logística

A música cubana é destilada de uma mistura de culturas. Ela chegou com as caravelas e se aqueceu com o mar caribenho, produzindo o balanço ao ponto, ou, como diria Spinelli: “al dente”. Apesar do embargo que o mundo capitalista impõe, que acarreta desde a falta de recursos em equipamentos e a quase inexistência de instrumentos modernos e baratos, até a escassez de materiais de consumo quase que indispensáveis para a execução sonora. Digo “quase”, porque no vídeo em questão, o fato inusitado foi a gravação de uma banda cubana tocando com os instrumentos “desfalcados”, tinha até violão faltando cordas. Mesmo assim, o áudio era de primeira, com sincronismos e cumplicidades notórias e notáveis entre seus integrantes.

A fuga do sorriso

O outro fato intrigante está relacionado à expressão nos rostos, nos olhares e na postura dos “documentados”. Música alegre, calor, energia quase que esotérica, e o povo (pelo menos a maioria dele) demonstrava feições e gestos sérios, não exatamente ríspidos ou carrancudos, mas que chegavam a ser angustiantes.

Qual será o motivo do não sorrir? Concentração? Havia uma sintonia muito clara entre a música e a religiosidade, e como essa segunda é tratada com o devido respeito, talvez seja essa a razão da seriedade, não sei! Espero que não seja por dor ou por mágoa da vida...

Nós daqui do Brasil, também somos um povo que passou e passa por muitas dificuldades, não preciso nem enumerar... mas, apesar das semelhanças culturais e até de ginga com os cubanos, ainda conseguimos sorrir, e muito! Talvez sejamos um povo meio “porra louca” mesmo, ou talvez estejamos acima do sofrimento, galgando nossa elevação.

P.S.: Acho sim os dois povos parecidos. Gostaria de ir à Cuba qualquer dia desses...

14.2.06

Era uma vez, certa timidez...

Rui era reservado. O mais reservado possível. Não sei como ele conseguira alugar aquele apartamento no bairro da Encruzilhada com toda aquela timidez! Apesar de morarmos no mesmo prédio há cinco anos, nunca o vimos por completo, no máximo conseguíamos enxergar rapidamente sua mão ao receber alguma encomenda. Soubemos o seu nome pela relação de aniversariantes do condomínio – 06 de abril –. No do ano passado tentamos uma aproximação, sabe como é? Somos vizinhos de porta com porta e NUNCA nos falamos, parece que ele espera todo mundo sair para deixar seu refúgio... Tati fez uma torta de morango e eu comprei umas velinhas, 33 ao certo. Sabíamos que estava acordado, mas depois de meia hora tocando a campainha, desistimos.

Como médico por formação, senti-me na obrigação de “ajudar” aquele ser enigmático, ainda mais tendo optado pela especialização em psicanálise, na eterna busca em entender os percalços da natureza humana. Confesso que tive um certo teor de egoísmo nesta empreitada em solucionar o problema do meu vizinho, claro! Minha tese para o mestrado poderia sair daquele paciente em potencial!

Eu nunca poderia imaginar que o desfecho dessa história seria trágico! Logo com ele, um cara que nunca tinha nem falado comigo, nem com Tati, pelo menos era o que eu pensava seu delegado! O senhor pode imaginar a minha surpresa ao chegar em casa e ver minha esposa atracada no tapete da sala com um homem? Pensei... ou é assalto ou é gaia! E em ambos os casos, tenho certeza, sua reação seria a mesma que eu tive. Peguei o taco de beisebol, o mesmo que Tati me deu para a fantasia do carnaval passado, e desferi os golpes no individuo. Sinceramente, só estou sabendo que foram 38 porque o senhor me contou.

Por outro lado, sei que devia ter pedido alguma explicação a Tati antes de acertar a sua cabeça, mas sabe como é doutor? Contra imagens não há argumentos, e o que eu vi me pareceu muito evidente. Aquele sorriso no seu rosto me deixou profundamente perturbado.

Imagino que o senhor está pensando que foi crime com premeditação, não é? Mas saiba que eu sempre fui da paz, até pedágio em sinais de trânsito para campanha do quilo eu já fiz. Por isso seu delegado, peço-lhe encarecidamente: fale com esse juiz e peça pra ele reconsiderar... já tenho 35 e com os 65 da pena que ele me deu, nunca mais vou ver minhas criancinhas. É certo que ainda não as tenho, mas gostaria de tentar outro relacionamento quando sair da prisão, e com 100 anos, definitivamente, não dá!


P.S.: foi só uma historinha para a volta das férias. Abraços a todos.