24.9.07

Limpeza íntima


Raquel e Sandro já estavam casados há 12 anos e a rotina e a intimidade já haviam diminuído em muito a tesão do casal. Geralmente acontece isso... anos e anos de intimidade estragam a relação tórrida do início de “namoro”.

Mas aquele dia era especial. Algo no ar deixava transparecer uma libido antes escondida profundamente sob a tensão do dia-a-dia daqueles dois. Já fazia algum tempo, talvez semanas, não sabemos ao certo, que eles não faziam sexo. O casamento de Lucinda e Hermes era a oportunidade perfeita para reativar seus apetites sexuais.

As crianças foram levadas para dormir na casa dos avós. Aquele vestido alugado de Raquel a deixou com uma silhueta divina, escultural mesmo. O mesmo velho terno preto surrado de todos os casamentos e ocasiões especiais que Sandro usava, recém saído da tinturaria, parecia novo. As taças de vinho e a dança lenta quase que os fizeram abandonar a recepção antes dos cumprimentos dos noivos e correrem para casa ou para um motel... o que fosse mais próximo!

Contiveram-se, a muito custo, aguentaram firme e ficaram no baile até três da manhã! A saída foi de fininho, mas com malícia. Pareciam dois adolescentes brincando de pega-pega no meio da casa de recepções. A madrugada prometia, ou melhor, o tempo não importaria... não iriam dormir, afinal, o atraso era muito para ser tirado em poucas horas.

Ao entrar no carro algo muito estranho aconteceu. Não se sabe se o estereótipo do pseudo poder masculino ao volante influenciou o comportamento de Sandro. A verdade é que todo o desejo e a vontade de Raquel se desfez quando, instintivamente seu marido começou a mexer no nariz, limpar o salão, lubrificar as falanges, tirar catota, durante todo o trajeto para casa!!! Aquilo esfriou o desejo de Raquel. A fez lembrar dos vícios e manias do esposo.

Em uma frase: banho de água fria nos planos quentes da matina. Chegaram em casa, brigaram, como de costume, e foram dormir... em quartos separados.

P.S.: cuidem para que a intimidade não intimide esse lado carnal da relação!

7.9.07

Homem Pereba

Em algum lugar na periferia do Recife, surgiu entre as décadas de 60 e 70 uma força sem precedentes no combate ao mal. Vindo de uma família classe média baixa normal, Perebinha cresceu como qualquer outra criança de mesma idade, até que foi exposto à cheia de 75.

Algo naquelas águas que, segundo algumas fontes, transbordaram da barragem de Tapacurá e invadiram toda a região metropolitana da capital pernambucana, afetou o nosso protagonista quando, acidentalmente, ele escorregou dos braços de seu pai que tentava mantê-lo fora d’água. Perebinha foi completamente submerso naquela enxurrada de misturas líquidas. Seria um acidente como outro qualquer, se justamente aquela mancha de um líquido secreto, guardado nos laboratórios da fábrica de balas Bem-te-vi, não tivesse atingido um pequeno ferimento da sua perna direita, causando de imediato uma mudança na sua estrutura corpórea.

Perebinha tornou-se uma criança hábil, ágil, veloz e perceptiva, e usava seus poderes para o bem. Salvava seus coleguinhas da terceira série do ataque dos moleques do ginasial (hoje, ensino médio), devolvendo o dinheiro do lanche que os pequenos meliantes roubavam dos menores.

Na adolescência, Pereba (como era conhecido) disfarçava seus superpoderes. Durante o dia era um rapaz normal, mas à noite ele saía em busca do mal para neutraliza-lo. Auto-intitulava-se: Homem Pereba. E foi neste contexto que conseguiu prender ou aniquilar alguns dos inimigos da sociedade àquela época, tais como: Biu do Olho Verde, A Mulher do Algodão e Cumadre Fulôzinha, entre outros.

Mas o destino reservava uma outra estrada para o Homem Pereba... o amor!

Prestes a se formar na faculdade de Física (a ciência), conheceu uma moça do Ceará, de Juazeiro do Norte, Clarinha Bastiana, menina formosa que disfarçava a cabeça chata com um penteado tipo princesa Léia, e que era dona de um sorriso insuperável e uma voz inconfundível. Casou-se com Pereba e o arrastou para o litoral cearense...

Atualmente, o Sr. Pereba trabalha com física quântica na Universidade Federal do Ceará e concentra a utilização de seus poderes na busca por novas tecnologias para o bem da humanidade. Mas nesta quinta-feira, sua caixa postal continha um e-mail que mudaria completamente seu destino novamente:

From: Sala da Mundiça (s.mundi@hotdog.com)
To: Sr. Pereba (pereba@unifisica.org.br)

Subject: Precisamos de sua ajuda

O cientista pernambucano e pervertido Sarou Morreu, associou-se ao Homem-Que-Tudo-Vê, e está ameaçando a paz mundial com um plano de construção de uma arma de destruição em massa.

Precisamos que vc nos ajude a encontrá-los e prendê-los o mais breve possível.

Atenciosamente,
Sala da Mundiça.

P.S.: O Homem Pereba atenderá o chamado da Sala da Mundiça? Aguardem o próximo episódio: Homem Pereba contra Sarou Morreu.

31.8.07

Vândalos

Quem não curte palavrão que me desculpe, mas não há outra forma de expressar... naquele carnaval, em Olinda, tava um calor do caralho! Estimo que não marcasse menos que 50ºC. Os motivos eram simples: 50 mil pessoas se espremendo na ladeira de São Francisco e nenhuma nuvem no céu do meio dia. Tumulto. Um monte de super-heróis e super-vilões lado-a-lado na farra, a maioria, bêbados. Desfile do bloco “Enquanto Isso na Sala da Justiça”.

Agora, depois de passado o simulador do inferno, vejo que aquela providência que eu e o “corda” Douglas tomamos foi acertada e irrepreensível, embora nossa fama, decorrente daquele ato desesperado tenha sido mal interpretada e vista como “vandalismo” pelas pessoas que não se sensibilizaram com nossa causa.

Ao passarmos por uma obra de restauração do piso em frente à igreja, arrancamos um (único e singelo) tapume de proteção. Com o cuidado de retirar os pregos remanescentes pra evitar acidentes. Pois é, a sombra gerada pelo bloco de madeira foi instantaneamente aprovada e absorvida pelos que estavam ao seu entorno, que, inclusive, ajudaram a carregar seu peso.

Andamos uns 80 metros quando percebi que a “proteção solar contra os raios UvA e UvB” que retiramos da obra, já havia sido tirada de mim também, ou seja, já andava com suas próprias pernas (ou mãos, como queiram). Os olhares de repreensão dos transeuntes já não recaíam mais sobre nós, os mentores do “alívio solar”.

Ao chegarmos na praça do Carmo, vieram nos dizer que “uns vândalos haviam arrancado TODOS os tapumes das obras de recuperação dos patrimônios históricos de Olinda”... nós, vândalos? Foi apenas uma questão de sobrevivência!

P.S.: ô povinho fofoqueiro!!!

25.7.07

A conversão


Trabalhar na contenção de clientes em um tele marketing não é lá um dos melhores empregos do mercado de trabalho. Sabemos disso. Sabemos também que é temporário. Emprego de universitário enquanto não arranja coisa melhor. Mas é duro! É como estar o dia todo andando contra uma multidão enquanto se sobe a ladeira da Sé. Esse é o lado do operador.

Quem nunca teve a preocupação com a aquisição involuntária de uma úlcera, ao tentar cancelar um cartão de crédito ou linha telefônica. – “É muito aperreio”. Esse é o lado do cliente.

No último mês eu decidi que não iria mais usar um dos meus cartões: o que tinha a anuidade mais alta é claro, então, obrigatoriamente iria enfrentar um adversário treinado para me manter com o cartão, usando truques ardilosos e paliativos, tais como: diminuição ou até isenção de anuidade; mudança para o “golden prime advanced mode”, o que quer que isso seja; entre outros engabelamentos clássicos das operadoras.

Eu sabia que bater de frente com um adversário altamente qualificado que a qualquer grosseria poderia derrubar a linha ou dizer que o sistema “caiu” era perda de tempo, então bolei uma tentativa de estabelecer o novo recorde mundial em cancelamento de cartão de crédito, diálogo o qual, reproduzo, na íntegra, a seguir:

Após toda aquela parte de identificação onde se responde de data de aniversário até local de última compra com o cartão. Informei que queria cancelar o mesmo e fui enviado para a contenção, então implantei o meu “plano divórcio”.

– MasterCard, operador Anderson, Bom dia?
– Bom dia meu filho, eu gostaria de cancelar meu cartão.
– Um segundo Sr... bom, vejo aqui que o Sr. tem bastante tempo conosco, qual seria o motivo do cancelamento?
– Me tornei monge budista, abracei a religião e vou fazer uma peregrinação para morar no Tibet.

Pronto, o desarmei. Ele esperava que eu esbravejasse e xingasse a sua mãe para derrubar a linha. Notei que o telefone ficou em silêncio por alguns segundos, como se o operador procurasse algo no sistema que servisse de resposta para aquela declaração.

– Senhor, sua viagem é internacional e o seu cartão de crédito lhe dará todo o suporte para qualquer eventualidade, além disso podemos aumentar seu limite em 20 por cento.
– Meu filho, me tornei monge para cuidar da alma, o dinheiro e os bens materiais não me fazem mais companhia. Vou ao Tibet andando e não levarei nem carteira sequer.
– Seu cartão foi cancelado Senhor, mais alguma coisa que posso fazer pelo Senhor?
– Não, meu filho, apenas reze e trabalhe por um mundo melhor, obrigado.

P.S.: tempo total de “negociação”: dois minutos e quarenta e cinco segundos.

25.6.07

Magia do fogo

Chegamos uma hora antes de começar. A noite não estava límpida como a passada, mas não havia chuva, e sim uma pequena garoa, comum no Sertão nessa época do ano, que nem conseguia molhar o cabelo.

Do outro lado do vale, na direção que, provavelmente, é o mar, o acúmulo de nuvens já poderia ser visto, caso alguém estivesse no alto da montanha. Todos estavam aqui em baixo, esperando os tambores, esperando a viola, aguardando a magia.

O cenário parecia a TRANSFIGURAÇÂO de uma película 35 mm, adaptada à nossa frente. O azul era dominante e as luzes não se voltavam exclusivamente para os donos da festa. Ora, ora, as pessoas aqui em baixo também fazem parte do espetáculo, por isso os holofotes, por isso a ascensão do povo, por isso a igualdade!

Uma borboleta azul, estirada como uma bandeira de uma nação regida por um sentimento patriótico incomum, pairava acima das cabeças “cantantes” da noite. Astronautas toscos, mumificados e transparentes com olhos de fogo faziam a guarda do lepidóptero cor de céu. Desafiavam a gravidade e se misturavam com o fundo negro do cenário, só se mostrando quando as luzes os convocavam. O fogo da mão do homem parecia domesticado! Não era ilusão! Ele queimaria quem não estivesse em sintonia com os elementos da Terra.

A essa altura você poderia pensar que eu estava completamente bêbado, ou coisa pior... mas não! Havia tomado apenas uma dose de uísque para espantar o frio, que se tornara dispensável, ante o calor das alfaias e dos saltos soltos dos co-astros da noite (ou o público).

Até então a garoa havia aumentado um pouco de intensidade, mas chuva mesmo, ainda não! Até que os tambores de “chover” começaram a rufar, “bombo trovejou a chuva choveu”, como diria o protagonista desse show.

O caldo entornou, o boi atolou, a lama nasceu, a ema gemeu... choveu!

Choveu muito, bem na hora do refrão. Ninguém arredou o pé da frente do palco. Era como se a chuva abençoasse os fãs de Lirinha com algum consentimento superior. Era o Quarto show do Cordel do Fogo Encantado que eu via, e nos quatro CHOVEU!

P.S.: espero, com a permissão do Senhor, voltar a Arcoverde no próximo São João!

29.5.07

E se o Japão ganhasse a guerra?


Entre 1945 e 1946, em pleno pós-guerra, o mundo acabava de se assombrar com o resultado mortal que alcançou a bomba atômica e, ao mesmo tempo, se aliviar com o desfecho nipo-nazi-fascista que a mesma proporcionou. Mas, aqui no Brasil, as coisas continuavam não muito boas para os “súditos do eixo”, apesar da “rendição incondicional” a que foram submetidos os comandantes daquelas nações.

Alemães, italianos e, principalmente, japoneses “comiam” o famoso “pão amassado pelo coisa ruim” nos estados em que a imigração foi mais abrangente. Em São Paulo, onde se concentrava a maior parte dos imigrantes japoneses no Brasil, por exemplo, a situação tomou gigantescas proporções, como conta o livro Corações Sujos, de Fernando Morais.

Mesmo e, principalmente, após acabada a guerra, os problemas com etnias em nosso país explodiam como bolhas efervescentes pelo interior do Sudeste.

É incrível como, ao ler relatos de acontecimentos passados no Brasil de apenas meio século atrás, praticamente ontem se for considerada a história da humanidade, atitudes e pensamentos tão rudimentares estivessem tão evidentes entre a sociedade, inclusive a dita “elite pensante”.

Atrocidades de todo tipo eram impetradas aos imigrantes, inclusive perdas dos direitos básicos do ser humano, abuso de poder, descriminação e racismo. Nada diferente dos relatos dos historiadores sobre os trogloditas, mouros, inquisitores ou traficantes, que em épocas distintas “tocavam o terror” às classes menos favorecidas. Perseguições dignas do maior dos nazistas aconteceram aqui mesmo na nossa pátria, há pouquíssimo tempo.

O lado bom dessa passagem é que ao observamos, hoje, a enorme evolução dos direitos humanos, vemos que, no sentido da tolerância, a terra está muito melhor para nós que para nossos avós, e que além da mentalidade nociva que a maioria do povo possuía, o governo não tinha a menor condição de representar quem quer que fosse.

P.S.: creio na evolução espiritual dos homens, mas sei que ainda falta muito para um patamar aceitável socialmente.

21.4.07

Êxodo


De tanto ouvir falar que em 50 anos as cidades litorâneas do Brasil e do resto do mundo estariam submersas pelo derretimento das grandes geleiras, Kid Jones acordava todos os dias, ia até a beira-mar (uns 80m da sua casa) e se preocupava em conferir se o bambu que ele enterrara na praia estava na mesma posição em relação ao dia anterior. Sempre era a mesma ladainha na hora do café:

– Mamãe! É sério, vamos vender nossa casa antes que seja muito tarde. Hoje tive que afastar o bambu mais de 5cm...
– Kid, meu filho, pare com estas estórias de inundação, todo dia a mesma ladainha. Essa “enchente” nunca vai acontecer. (a mãe bota um nome desses na criança e não quer que ela seja “estranha”)

Chegou o dia da entrega dos projetos da feira de ciências na escola. Era a comemoração dos 100 anos desta grande instituição de ensino, que nos últimos tempos havia arrebatado todos os prêmios “jovens e talentosos cientistas” no Brasil e no exterior. Kid, que cursava a sexta série, ou sétimo ano do ensino médio (os pedagogos não se cansam de inventar mudanças na nomenclatura das classes educacionais...), havia feito sua inscrição e o seu trabalho já estava prontinho.

Os 99 alunos já haviam demonstrado seus trabalhos no ginásio de esportes: robôs que reconheciam formas, modelos de biodigestores caseiros, mini-veículos movidos a energias alternativas e até modelos de espaçonave com propulsão à fusão nuclear foram aplaudidos pelo público e pela crítica, enfim chega a vez de Kid, que insistiu para ser o último a apresentar, segundo ele para “não influenciar os jurados nas notas dos outros trabalhos”, então, o diretor da escola anunciou a sua entrada:

– Agora, o nosso último projeto: “degelo e inundação: a retirada para as montanhas será necessária?”.

Kid, com a ajuda do seu avô, Carlito, abre a porta de carga e descarga do ginásio e leva para o centro da quadra, puxado pela caminhonete Chevrolet Brasil 1960 do seu avô, uma maquete fantástica, recriando o litoral Olindense nos mínimos detalhes. Tudo estava lá: a Praça do Fortim, o Farol, o Alto da Sé e até o supermercado que fora construído no lugar do quartel.

O panorama era o seguinte: o público, incluindo alunos, professores e jurados, estava alojado na arquibancada do ginásio. A caminhonete do vovô havia sido retirada da quadra e a maquete gigantesca era alimentada de energia por dezenas de baterias embutidas na montanha que formava a Sé, que faziam funcionar os automóveis e acendiam todas as lâmpadas dos postes de iluminação pública, inclusive o Farol.

Alguns estavam boquiabertos com a magnitude da obra, outros aplaudiam insanamente, outros ainda não acreditavam que uma pessoa apenas teria feito todo aquele trabalho minucioso. Mas ninguém encontrava Kid para que ele explicasse o que a sua maquete tinha a ver com o título do seu trabalho.

No alto do ginásio, perto da lateral onde se localizava a rampa de acesso para cadeirantes, havia se montado uma piscina de 20 mil litros, daquelas de plástico para as crianças do maternal se divertirem, e era lá que o nosso protagonista se encontrava, com o último e decisivo “golpe” para provar a sua teoria.

Com o auxílio de um sistema de alavancas, Kid puxou uma das pernas da piscina, que se rompeu e inundou a quadra... era uma enxurrada de água descendo pela rampa dos cadeirantes, e em questão de segundos inundou toda a quadra de esportes, incluindo a maquete no centro da mesma. A única coisa que restou foi o “Farol de Olinda” coberto de água até o “pé”, porém, mais ligado que nunca...

P.S.: Kid Jones foi expulso, seus pais tiveram que pagar pela piscina e pela limpeza da bagunça e seu avô teve um ataque cardíaco “de tanto rir”!

2.4.07

Boa educação?

- Bom dia, amor?

Antes de pensar em responder (por milésimos de segundo), perguntei-me o motivo daquele "bom dia, amor" no elevador? Fazia 12 anos que eu morava naquele quarto andar e ela, há um pouco mais de nove, habitava o quinto (502), exatamente acima do meu. E nunca, NUNCA havia nem sequer olhado pra mim daquele jeito, apesar de nos encontrarmos com muita freqüência no elevador ou na garagem do subsolo.
Parecia que estava dominada por uma coragem repentina e desbravadora, que a atirava para o quadrante que eu me encontrava, como se quisesse me despir e me comer ali mesmo sem se importar com a câmera do circuito interno, ou com algum vizinho que porventura aparecesse. Seu olhar era mesmo de desejo, de arrancar arrepios escusos e tórridos.

Notei que tinha um quê de diferente em seu rosto, seu cabelo e suas roupas estavam mais ousados. A tal ousadia parecia ter lhe envolvido por completa. Cada gesto, até a respiração estava alavancada por um ímpeto de sedução. Sim! O aparelho ortodôntico não fazia mais parte da sua estrutura bucal. Os cabelos estavam mais volumosos e brilhantes que antes. Não entendo muito bem disso, mas pareciam que brotavam mechas de dourado de algumas raízes e que se estendiam até a sua cintura, que estava à mostra pela primeira vez nesses anos todos.

Chegara ao prédio ainda adolescente, uns 16 ou 17 anos, talvez por isso eu também não houvesse a notado... agora que já é quase uma balzaquiana, vejo que o tempo foi muitíssimo favorável à sua estrutura. Essa roupa de ginástica demonstra, neste caso, as perfeições genéticas lapidadas pelo exercício diário e assistido.

Começamos um namoro. Não pensei em estender muito aquela relação, mas, quando dei por mim, Laurinho chegou, lindo e gordinho, nasceu com 42 cm. E antes que ele dissesse - “papai”, Clarinha nasceu.

E aqui estou eu, com dois filhos, e ainda usando o mesmo elevador. E á por isso que eu não vou responder a esse “bom dia, amor”, moça! Na verdade, já ta na hora de começar a usar a escada!

P.S.: “ô prédio pra chegar vizinha filé”

14.3.07

Divagações sobre um futuro não tão distante


Quando eu tinha uns 15 anos, não sabia bem o que queria da vida. Era um garoto considerado “normal”, que jogava basquete de manhã, estudava à tarde e me reunia com os outros “do mermo top” na praça à noite. Na conversa, nada de excepcional:

– A irmã de Neto tá ficando é boa.
– Eu ainda boto uma bomba no escape da moto do profº Lafayete.
– Sábado à tarde vai ter final de BMX lá em Jardim Atlântico e à noite, danceteria!

Só conversávamos mesmo com as meninas na tal danceteria. A conversa era “tabacuda”, mas era a maneira de gerar aproximação quando chegava a hora da música lenta, e rara era a vez que não “descolávamos” um sarrinho no muro do clube. Isso era o máximo que acontecia nesses encontros semanais, mas à época servia pra contar vantagem no colégio.

Lembro que um dia agarrei uma mais velha (devia ter quase 17), que mordeu meu mamilo. Na hora estranhei. Geralmente quem fazia isso era eu, e não com aquela força! Mas na semana seguinte já tava até acostumado.

O processo de evolução (amadurecimento) era lento e gradual. Claro que de vez em quando aparecia um colega dizendo como foi sua primeira vez, ou que havia cheirado loló no acampamento, ou ainda que dirigiu o carro do pai na praia. Era a notícia da semana na hora do recreio. Todos comentavam e apontavam para o “herói”, e todos nós tivemos alguma fama repentina e notória naquele tempo.

Continuo achando que os jovens de 15 anos de hoje ainda estão perdidos, como estávamos há 20 anos. A diferença é que agora o contato corporal a que éramos “expostos” diminuiu muito com o advento da internet, a massificação do telefone, etc. Por outro lado, os jornais demonstram que eles se tornaram mais sucetíveis ao sexo e ao assédio de gente inescrupulosa. Desse contexto sugem blogs e comunidades que antecipam e difundem (nem sempre com verdade) os feitos ou costumes dos grupos de amigos, que já ultrapassam os milhares (basta ver o círculo de amizade de um adolescente padrão através do Orkut e/ou MSN).

Já tem até comunidade de raves que indicam os points de compra de droga. Fóruns de relacionamento para discutir sobre aborto na adolescência, etc.

Imagino agora, como será a relação de amizade entre as crianças que já nasceram sob este panorama? Como meninos de 0 a 8 anos de idade estarão daqui a 15 anos? Quais serão seus níveis de contato com outros “seres” ? Como avaliar a nossa atuação para que o mundo seja um “Sistema Perfeito” ?

P.S.: espero contribuir para a melhoria do nosso quadro-social. Tenho interesse egoísta nisso: meus filhos.

1.3.07

Translado de carnaval


Dirigir um táxi aos trinta anos não era lá o emprego dos meus sonhos, mas depois que perdi a firma para a burocracia e a inadimplência não tive outra alternativa. Comprei a “praça”, o carro e um dicionário de gírias e mensagens-código, aquelas do tipo ‘QAP’ ou ‘QRX’ que os operadores de rádio usam para se comunicar rapidamente. Também pudera, perdi quase um mês decorando os tais facilitadores da família do “câmbio”, e constatei que realmente se entende mais rapidamente por códigos.

Havia decidido não trabalhar no carnaval, afinal, era meu primeiro ano sem esposa, sem namorada, sem nem um cachorro pra botar ração. Mas as primeiras semanas de fevereiro haviam sido ingratas com o taxímetro, e ao final do período momesco a prestação do Corsa não iria aliviar na cobrança.

Passei o sábado trabalhando entre Recife e Olinda, levando e trazendo gente para o desfile do Galo. Acho que dos dois milhões de pessoas, um terço fez a “corrida” comigo. No domingo, o roteiro foi mais curto, levava e trazia gente do Shopping para o Recife Antigo.

Lá pelas cinco e meia da tarde, havia acabado de deixar uma família nas proximidades do Marco Zero (ponto que demarca as distâncias da Capital para as outras cidades do Estado), quando um homem que aparentava uns quarenta e poucos anos sentou no banco de trás, quase sem esperar que a família o deixasse. Tinha pensado em não pegar mais passageiros e aproveitar um pouco do carnaval, mas diante da pressa do cidadão não tive como dizer não.

– Para onde, chefe? – Até que o cara tinha um jeitão de chefe de quadrilha (que Deus me perdoe), daqueles que são o cérebro da ‘organização’, de feições brutas e olhos de poucos amigos.
– Várzea.

Pela rispidez no tom amargo da resposta, senti que aquela viagem não seria de muita conversa, e resolvi, por antecipação, ficar calado durante o percurso, a não ser, lógico, que ele puxasse o assunto.

Mal acabávamos de atravessar a ponte Duarte Coelho, quando ouvi um som estampido de baque, que não era grave como uma alfaia de maracatu, mas agudo e rápido como o estalar sincronizado das baquetas nas paradas da bateria. Olhei pro banco traseiro pra saber se o passageiro também tinha ouvido aquilo, mas ele não estava lá. Sumira, deixando-me sem entender o que aconteceu.

Ainda pensei em descer e procurá-lo, saber se estava tudo bem, enfim... mas resolvi ir mesmo pra casa, descansar, já que ainda trabalharia na segunda e não deixaria de me divertir na terça, último dia da folia.

Saí para trabalhar às 6h, como de costume, porém, estranhamente, já estava perto da hora do almoço e ainda não havia pego um único cliente. Não sei se foi exatamente isso que tirou minha fome, mas resolvi prosseguir até que alguém fizesse sinal para eu parar. Nada. Nenhum passageiro acenava pro meu táxi. Parei o carro e desci para verificar se eu tinha esquecido de colocar a lâmpada “táxi” em cima do mesmo. Estava lá!

Perto das vinte horas, o desespero já assolava meu habitáculo de metal. Eu não entendia como os milhares de transeuntes do carnaval não queriam entrar no meu táxi. Já tinha até visto o Marcão, com aquela ‘lata velha’ sem ar-condicionado angariar passageiros, e até Chico, que era cheio de pudores com a quantidade de passageiros, passou por mim com gente até “no teto”.

Já estava desistindo e voltando pra casa, inclusive com a luz “táxi” apagada, quando finalmente alguém estendeu a mão pra mim. Quase não acreditei. Confesso que olhei pro retrovisor pra ver se não vinha um ônibus atrás. Era o primeiro passageiro das últimas 16 horas, uma mulher alta, ruiva e linda, aparentando uns 35, no máximo. Aquelas sardas no seu nariz só serviam para realçar ainda mais sua “ruivice”.

– Boa noite, senhora?
– Boa noite Daniel, vamos para o lugar do sempre.

Como ela sabia meu nome? Que lugar era esse? Lugar do sempre, que estranho, geralmente se diz: lugar de sempre...

– Desculpe-me, de onde nós nos conhecemos?
– Eu o conheço desde o dia seu nascimento Daniel Teixera Ramos, quando o peguei e o desenlacei do cordão umbilical. E agora vim te encontrar face a face para te ajudar a encontrar o caminho de volta. Você o perdeu naquela noite de carnaval, quando aquele seu último passageiro o baleou na cabeça. Agora eu cheguei e tudo ficará como deve ser, Daniel... como deve ser!

P.S.: infelizmente essa não é uma obra de ficção. A violência anda de táxi... nas metrópoles mais populosas, e a nossa é a “mais rápida nesse trânsito assassino”.

6.2.07

Mini conto do liseu – divagações em férias

Foi tanto contratempo no final do ano. Tantos casos fatídicos, que se eu contar tudo junto vão pensar que é continuação de algum filme do Mr. Bean... foi capotagem com perda total; quase arranco o pé do motoqueiro, sem querer, claro; o cachorro que atropelei quebrou o radiador e quase bate o motor do carro, entre outros.

Resolvi começar o ano com uma nova visão do mundo. Aquele banho com sal grosso no dia primeiro deve ter ajudado. Pensei também, em inspirar-me em um povo que está aqui há muito mais tempo que nós: o do Japão! Esses caras levaram bomba na cara e se recompuseram num piscar de olhos. Vou tentar fazer como eles: feng shui (aquele barato que serve para equilibrar nossas vidas, começando pelos detalhes...).

Corri numa livraria e comprei um manual dessa arte milenar. Logo na primeira página, os caras mandam virar a cama para o lado do sol nascente. Olho o tamanho do meu quarto, constato que a cama está na posição errada, e descubro que NÃO DÁ! Se eu virar a cama, ninguém vai ao banheiro. Joguei o feng shui no armário... ô liseu desgraçado!

– Ei, moço? Quanto é essa raspadinha?

P.S.: e a mega-sena? Acumulou?