27.9.06

Sentido!


Lúcio saiu de casa aos 23 anos. Não agüentava mais a repressão exercida pelo pai. Os militares, geralmente, são assim: caxias e austeros. Na verdade, a idade pouco importou para sua decisão, a gota d’água foi a surra que seu irmão, Flávio, levou no dia anterior, por ter confessado sua preferência sexual: “incondizente com a condição de filho de militar”, segundo o pai. Bateu tanto no coitado, que só parou quando ouviu o estalo do nariz quebrando. Como se não bastasse a surra, o expulsou de casa.

Flávio, mais novo que seu irmão, era o caçula e Lúcio o do meio. A irmã mais velha se chamava Martinha, estudava medicina e morava em uma república perto do campus. A dona Carminha, mãe dos três, morreu de parto com o nascimento de Flávio (claro), talvez por isso seu pai nunca tenha o amado como aos outros dois, e mais, talvez tenha gerado nele um sentimento de ódio, transferindo-lhe a culpa pela morte da esposa.

Agora o Ten. Jardel morava sozinho naquela mansão. A solidão o acompanhava e tratava de deixar seus dias sombrios e depressivos. Todos no quartel diziam que ele descontava nos recrutas as suas amarguras de casa. Agora os coitados eram os jovens soldados que tinham que estar SEMPRE sob a supervisão implacável de um homem que não conseguiu criar seus filhos com amor, e por isso os perdeu.

Anos após o incidente da pancadaria paterna, Jardel foi procurar o seu filho do meio, Lúcio. Ele havia descoberto sinais de onde ele morava, através de um primo distante... foi encontrá-lo. Lúcio era dançarino de uma boite-gay. Assistiu ao seu show. Houve um momento que ele jurava que era Gloria Gaynor mesmo. Chocado, procurou o filho após o espetáculo. Lúcio, assustado e com medo da reação do pai, não disse nada. Jardel chegou perto do filho, abraçou-o e disse:

- Meu filho (ou filha, pensou), responda apenas uma pergunta: o que eu fiz pra que meus filhos não gostassem de mulher? – E Lúcio respondeu:

- Que é isso papai, na família tem uma pessoa que gosta muito de mulher, a Martinha!


P.S.: Adaptação da história de um vizinho que eu tive há 15, 16 anos, mais ou menos. Os nomes foram alterados pra preservar a vida alheia.

22.9.06

Enquanto você não vem


Eu me desarrumo e me re-arrumo
E saio e volto e não gosto
Eu perco as horas, não me lembro
E esqueço o teu remorso
Entrego-me ao teu veneno

Acoberto-me em teu encanto, em teu pranto
Pra que o mundo ao meu redor
Perca-se em meu mal intento
Pra que a espera por alento
Não demore, venha com o vento

Eu escapo, faço reza
Vou pro teto, pra janela, pro meu quarto
Não me atiro, aguardo e calo
Não te passo, te reservo
Em péssimos sonhos, em céticos versos

20.9.06

“A vida começa aos 40?”


É MENTIRA! Não se pode generalizar. Se bem que eu já estou mesmo perto dos 40. Mas a vida começa, no sentido do entendimento do ser a que ela se propõe, em idades diferentes, dependendo do nível de maturidade e de experiência de cada um. Não quero dizer com isso que já sou maduro e experiente o suficiente para avaliar que estou “iniciando” a minha vida. Só acho que algumas etapas foram completadas, e muito bem completadas, deixando lindos frutos e histórias resolvidas. Agora é partir pra o começo da nova estrada, que pode iniciar já, aos 30 e poucos, ou até mesmo aos 40, quem sabe?

Barril (tinha esse apelido pela circunferência acentuada na cintura), era um homem bem resolvido financeiramente. Trabalhava no ramo de eventos e recepções, e morava ao lado de seu trabalho. Éramos adolescentes e batíamos um volleyball na praça em frente. Pois bem, vez por outra ele nos convidava para a festa da noite e, obviamente, íamos todos.

Conhecíamos a atual namorada e o filho de Barril, que era mais novo, mas já jogava bem, e a amizade cresceu daí. Conclusões tiradas: ele tinha uma ex-mulher, a qual devia pagar uma ótima pensão e arranjou uma namorada. Depois soubemos que a ex também havia arranjado um namorado (é a melhor coisa que pode acontecer para um relacionamento que terminou). Pois bem. Festa rolando, “cerveja na canela”, boa música (acho que tava tocando Information ou Depeche, era o que se ouvia!). Estávamos em uma mesa atrás do anfitrião e sua namorada, quando Beto diz:

- Galera! Agora é bronca! A ex-mulher tá vindo ali!

Que bronca que nada. A dona sentou, não sem antes dar dois beijos na namorada de Barril, e começaram altos papos sobre como a vida é bela. Ficamos curiosos em saber se a relação sempre fora assim, ou se alguma luz misteriosa havia alterado o DNA das envolvidas. Perguntei à Marcinha, que era da família, e ela disse que sempre se deram bem, os quatro: a primeira esposa, a segunda esposa (só durou dez anos) e a nova namorada. Mal ela acabara de dizer entra a segunda pela porta e, de longe, já abre os braços e sai em direção ao grupo... todos se abraçam e ensaiam até um grito sincronizado, como aqueles das torcidas... êo, êo.

P.S.: a vida começa mesmo no presente, agora, está acontecendo, começando todo dia! O importante é estar feliz!

14.9.06

Cazá, cazá... e descasar!


Ô raça essa humana! As diferenças entre os tipos de pessoas e mentes encontradas num casamento, ou em uma “corrida de ônibus” (capotei com o carro semana passada, tô de busão) são incomensuráveis. Nas outras espécies os padrões de comportamento e reações ante aos fatos são repetitivos e esperados, por exemplo: a drosophila Melanogaster (mosca da banana), sempre será atraída pela luz-azul-mata-mosca, não importa quantas gerações passem, elas repetem o mesmo erro dos seus antepassados. O homem, não! Esse tem o poder de aprender com seus erros e, em muitas ocasiões, de errar de maneira diferente, inovadora mesmo. Mas ainda há os que erram do mesmo jeito!

Jorge e Sabrina saíram de um casamento desgastado, muitas vezes por pequenas desavenças, coisas que poderiam ser evitadas. O embate que, segundo Jorge, deu origem ao divórcio foi a batalha travada entre seus times de futebol. Um era tricolor e a outra, rubro-negra, coisa que na época de namoro servia até para gerar um carinho extra quando o perdedor ficava triste, pelos cantos, e o vencedor aumentava a dose de carícias como compensação. Dava até em cama, na maioria das vezes.

Depois do casamento essas demonstrações de afeto-pós-partida foram esfriando, esfriando, até que cessaram de vez. Até aí tudo “normal”, nada de sobrecomum, nesta sociedade em que as uniões têm o status de monótonas e que os cônjuges não fazem muito esforço para mudar essa máxima.

Depois do quarto título seguido do time de Sabrina, justo em cima do arqui-rival, o time do Jorge, um clima insuportável de superioridade se instalou em casa. O coitado não podia dizer nada, que ela já rebatia: “e aquele golaço!” ou, nos piores casos: “time de Mané, é time de Mané!”. Acabaram.

O que surpreendeu Jorge, não foi saber que Sabrina havia casado de novo, seria natural, claro. Afinal, ele mesmo já estava “amarrado” novamente. O que chamou a sua atenção, naquele encontro no shopping, domingo à tarde, meia hora antes do jogo, foi ver Sabrina de mãos dadas com um tricolor. “Tem gente que não toma jeito mesmo”, pensou.

12.9.06

Todas as estrelas seriam poucas

Tem algumas frases que eu penso:
por quê não fui eu quem escreveu?
Uma delas é essa de Nando Reis:
"estranho seria se eu não me apaixonasse por você...".

Como não compus a dita, pelo menos posso interpretá-la...

AllStar.mp3

Abraços,
Ás.

10.9.06

Três de lado e uma de frente


Descobri, da pior maneira possível, que aquela estória da vida que passa como um filme na nossa mente, no instante de um acidente, com o perigo da morte rondando, ou melhor, rodando junto com o carro, é tudo “balela”! Não dá tempo de pensar em nada... muito menos em assistir filme!

Com a graça de Deus, havia acabado de deixar meus dois filhos na casa de praia da mãe deles em Itamaracá. Fiz aquele percurso uma centena de vezes. Conhecia aquelas curvas como quem conhece as curvas da sua mão. Tratava-as bem, mas naquela tarde do dia nove, uma garoa fina e persistente ajudou a deixar as coisas, como direi? Escorregadias...

Após uma ultrapassagem em um local permitido, me deparei com a “derradeira”, a curva que foi o pivô do acontecido. Devo ter entrado nela beirando os 70 Km/h, velocidade mais que segura para aquela parábola. Como disse antes, já havia passado mais de 100 vezes por ali, e mais de 50, pelo menos, na mesma velocidade. Não contava com o que me aguardava... um motociclista vinha em sentido contrário, beirando a faixa, enquanto eu ainda estava descrevendo a trajetória curvilínea. O susto foi inevitável, virei abruptamente o volante, foi suficiente para o carro derrapar, atingindo com a traseira o coitado do motociclista e jogando-o longe, no matagal. Enquanto isso, o desespero tomou conta da direção. Atingi o acostamento, capotei três vezes de lado e uma de frente. O carro parou de rodas pro ar. Nesse momento agradeci muito a Deus pelo acidente ter sido na volta e por estar sozinho. Depois veio a preocupação com o motoqueiro...

É incrível como “brota” gente do chão nessas horas. Não havia ninguém na estrada, tanto é que não houve testemunha do acidente, mas quando consegui me livrar do cinto e despencar sobre o teto amassado do carro, já tinha um cara perguntando se “tinha alguém vivo aí?” Arrastei a cabeça pro lado da janela e perguntei sobre o outro envolvido na fatalidade. Ele disse que iria procurar o rapaz e descobriu que ele tinha quebrado o pé e que já haviam chamado o Detran. Na volta, perguntei se ele tinha celular e pedi que ligasse para o meu... não o encontrava na bagunça do interior do carro. Tocou, estava embaixo (ou em cima, dependendo do ângulo) do banco, consegui pegá-lo, junto com minha carteira com os documentos e saí me arrastando pela, agora, estreita janela.

Uma mini-multidão já estava no alto da ribanceira, os policiais já haviam chegado ao local. Foram logo perguntando “quem era o condutor do Fiesta?” Ergui a mão e fui interrogado sobre o acidente, tudo com muito respeito e profissionalismo, por parte deles... não pensei que seria tratado daquela maneira, mesmo porque, havia atingido, involuntariamente, aquela moto. Quando terminei de descrever o ocorrido a ambulância já estava removendo a vítima para o Hospital da Restauração. Liguei para o marido da minha prima, que é médico, perguntei se ele conhecia alguém que pudesse fazer algo pelo "pé do cara"? Ele respondeu que o Hospital era referência no NE nesses casos e que eu não me preocupasse.

Agora era esperar o guincho, a carona com o agente da seguradora, acompanhar o “resgate do carro” e torcer pra dar perda total. Tinha um casamento para ir à noite, já não tinha carro, mas os amigos já haviam me dito, por telefone, que me levariam... é bom ter amigos.

P.S.: O fato interessante foi ter respondido, umas três vezes, aos transeuntes curiosos da PE-35 à seguinte pergunta: “o motorista morreu?” Sorri e agradeci, de novo, a Deus, por ter preservado essa minha frágil vida.

6.9.06

O desaparecimento de Suzana


Saí pra minha caminhada matinal no parque da Jaqueira, como de costume. Recomendações médicas. Apesar de que o meu problema não era nenhuma questão de saúde grave, e sim, condicionamento físico. Estava cansando muito fácil, e o meu médico sugeriu que eu percorresse 6 Km, todo dia.

Numa dessas caminhadas, no dia do meu aniversário, conheci Suzana. Nossa amizade aconteceu de primeira, ela era uma daquelas pessoas de fácil convivência, sem frescuras e que falava de qualquer assunto. Bem, na verdade os assuntos eram “puxados” por mim, não lembro muito bem que Suzana tivesse iniciado qualquer conversa. Mas isso não importa. Nossa amizade manteve-se inabalada durante um ano. Todo dia nos encontrávamos no portão principal e começávamos os exercícios.

Era meu aniversário, de novo! Não via a hora de encontrar Suzana, chamá-la pra sair e comemorar... estranhamente ela não apareceu. Fiquei indignado, com raiva mesmo. Como uma pessoa tão legal e amiga, deixa de aparecer ao nosso compromisso cotidiano, justo no dia do meu aniversário. Eu falava dessa data há pelo menos um mês. Achava que ela tivesse entendido as minhas indiretas de que iria pedi-la em namoro (antigo, né?) naquela noite.

Já estava na sexta volta pelo parque, quando um moleque chegou junto a mim e me entregou um bilhete que continha os seguintes dizeres:

Av. Beira Mar, 1478 – Aptº 1204 - Boa Viagem.
Você tem que chegar hoje ao meio dia.
Um Beijo, Suzana.

A curiosidade ficou extremamente aguçada. Óbvio que fui correndo pra casa tomar banho e me arrumar para atender ao que dizia o bilhete. Não queria atrasar. Já imaginava que Suzana devesse ter preparado uma festinha surpresa. Às 11:50 cheguei ao endereço especificado, era um desses hotéis “Plaza num sei das quantas em latim”. Quando me dirigia a recepção, fui abordado por uma amiga de Suzana, Clarinha, já as tinha visto papeando na pista de cooper, no aquecimento para as caminhadas.

– Oi, sua suíte já está pronta, quer me acompanhar?

Não disse uma palavra, apenas fiz um sinal de afirmativo. Clarinha me levou até o elevador panorâmico, apertou o 12º andar e me deixou subir sozinho. O apartamento 1204 estava com a porta entreaberta. Bati levemente e fui entrando. Cortinas fechadas, pétalas no chão e velas, muitas velas, daquelas gordinhas, que deixam cheiro de essências no ar.

Essas suítes de luxo têm um problema... são grandes demais, ainda atravessei dois ambientes para chegar à cama. Valeu à pena. Suzana estava lá, linda, camisola de seda novinha, braços abertos, ao seu lado sobre a cama, estavam dois presentes, devidamente embrulhados e etiquetados com os números um e dois. Na sua cintura havia ainda outra etiqueta com um três estampado. Ela me disse que os três presentes eram meus, e que eu deveria abri-los e usá-los na ordem indicada.

A primeira caixa continha em pijama, também de seda, combinando com a sua camisola, e um CK one. Rapidamente, tomei um banho para vestir a indumentária e colocar o perfume. Só então abri a segunda caixa: um pacote de camisinhas e um tubo de KY... a essa altura, a camisola de Suzana já não era mais vista em canto nenhum do Recife e, já que o presente número três estava à minha frente, e suas intenções foram reveladas com o número dois... acredite se quiser, na melhor hora, a campainha tocou:

– Pois não?
– Somos da segurança do hotel e fomos informados que o senhor invadiu esse quarto.
– Deve haver um engano senhores, minha namorada, Suzana fez a reserva e me convidou. Podem perguntar à Clara da recepção...
– Não existe nenhuma Clara na Recepção! Queira nos acompanhar.
– Espere! Suzana, vista-se e venha explicar a esses senhores o que está acontecendo aqui... Suzana? Você está aí?

Procurei-a em todos os cantos do quarto. Como ela passou por nós? O lugar só tinha uma porta e não dava pra sair pela janela no 12º andar... disseram que na fita da segurança do hotel, viram quando eu cheguei e entrei no elevador, sem falar com ninguém. E eu quero deixar registrado, senhor delegado, que roubaram os presentes que ela me deu. Não havia mais nada, nem roupas, nem perfumes, nem pétalas, nada! Só podem ter sido aqueles seguranças. Inclusive, uma recepcionista de lá, disse que me via muito freqüentemente andando sozinho no parque da Jaqueira. Impossível, desde o primeiro mês que só caminho com Suzana...

– Escute aqui! Você foi preso em flagrante por arrombamento do quaro do hotel. Não havia nenhuma Suzana, aliás, não há nenhuma Suzana na sua vida, já investigamos. A ambulância do hospital psiquiátrico já está a caminho para levá-lo e iniciar seu tratamento. Não se preocupe, você vai ficar bem.
– Doutor, é o seguinte: sei que tenho direito a um telefonema, quero fazer uso dele agora...
– Pois não, pode ligar daqui mesmo.
– Alô, Suzana? Você não imagina o que estão dizendo...

4.9.06

19 não é 30


Sandro já passara dos 36 e aquela sensação de que a hora de acomodar sua posição, ante aos rituais e cobranças da sociedade, em que o marido, provedor e detentor das preocupações de sustento e moral da família deve, enfim, assumir seu papel, já estava mais que martelando o seu juízo.

Até aquela altura da vida, o seu maior objetivo era o encarar a próxima farra com mais afinco e insanidade que a anterior. Mas notou, claro, que há algum tempo as companhias femininas do seu caderninho de telefones estavam tornando-se raras:

– Janine, por favor?
– Casou e mudou-se. – Risca essa.
– Karla Maria está?
– Você não soube? Morreu de acidente...
– Esse é o celular de Marília?
– É sim, é o marido del... – (desliga rápido que é bronca).

E assim seus contatos foram ficando cada vez mais escassos, até que ele chegou na letra ‘R’
Entre elas, havia uma cuja companhia, realmente lhe fazia bem: Rosana, morena simpaticíssima, formada em ciência da computação, que além de rir das piadas dele, vez por outra, contava suas próprias... Sandro sentia vontade de estar com ela, uma mulher de 32 anos, madura, de bom papo e mente aberta.

Logo abaixo de Rosana, na agenda telefônica, estava Renatinha, 21 anos, seios fartos, cintura fina... e por aí vai. Mulher desejada por qualquer garotão do bairro, daquelas que param o trânsito e servem, entre outras coisas, pra desfilar à tiracolo. Malhadora, sua rotina se restringia à academia e balada.

A dúvida se estabelecera. Quem chamar para sair, e, quem sabe, programar o fim de semana? A de 21 ou a de 32? Será que a hora de se estabelecer e iniciar um relacionamento mais sério chegara? Sim! Era isso que Sandro buscava. E, nestas circunstâncias, sua escolha foi infinitamente facilitada...

– Alô, Rosana? É Sandro...
– Oi Sandrinho, a quanto tempo. Não me leve a mal, mas eu estava com saudades...

Ganhou o dia, pensou!

P.S.: casaram-se, e até hoje vivem felizes pra sempre.