26.10.10

Gafanhotos



Deus é desenrolado mesmo. Aquela estória da praga de gafanhotos que invadiu o Egito e quase acaba com o alimento do povo teria uma carga muito menor de dramaticidade se tivesse ocorrido na China!

Melhor dizendo, não seria una praga e sim uma dádiva. Na China a população come grilo, escorpião e até gafanhoto, tudo bem crocante no espetinho.

- Tem gente que come cada coisa...

Noutro dia eu tava na Bodega do Véio, em Olinda, tomando uma cerveja, em pé, olhando o povo passar, quando me aparece um amigo de infância puxando uma criança de uns 10 anos pelo braço e carregando uma outra, de uns três, encangada no colo.

Conversa vai e vem quando eu pergunto da mãe dos meninos.

- Ela já vem, ficou no caminho comprando uns espetinhos.

Lembrei da praga de gafanhotos e torci para que sua esposa viesse com, no mínimo, um de frango ou coração!

Aí aparece uma mulher se aproximando com dois espetos na mão e um pratinho de vinagrete na outra. Não arrisquei perguntar se a moça era a esposa do meu amigo. A bichinha era desprovida de beleza e ainda coxa da perna esquerda. Vai que ele se ofendesse, sei lá!

Mas num é que era...

Fui apresentado, conversamos, marcamos de sair juntos para tomar alguma coisa, nos despedimos e eu pensando...

- Tem gente que come cada coisa...


P.S.: acho que gafanhoto é feio porque não come carne!

14.10.10

Osso duro de roer



Na fila do cinema eu já sabia que a espera ia ser grande, homérica. Chegamos às 18 em ponto, mas as sessões das 18:30, 20:40 em duas salas e todas as três da outra estavam esgotadas. Só reatava uma única sessão de 22:50 na sala seis. O filme: tropa de elite 2.


Não esmorecemos, mantivemos a linha e após 45 minutos conseguimos as entradas – não numeradas – para a última sessão. A fila ainda tava grande e só ouvimos os lamentos e xingações do pessoal que não conseguiu ingresso.


Fazer o quê? Passear no shopping até a hora da película. – É… filme nacional também é gravado em película, pessoal!


Fome da “boba”, fomos bater um rango. Salada de camarão. Andamos muito, compramos “brebotes” e, pouco antes do filme começar fui ao banheiro aliviar as cocas-zero tomadas nesse entremeio, quando um maluco cheio de correntes no pescoço, mais baixo que eu, chega ao mictório, do meu lado e dispara:


– Aê cumpade! Passa o ingresso aí mô irmão…


– Como é que é, mô véio? (esse sou eu)


– É isso mermo cabeludo, eu vi que tu comprou os últimos do Tropa de Elite e eu tô pedindo na moral pra tu passar essas porra!!!


– Apoi chama teus cumparsa, cumpade, que nóis vai é disputá esses ingresso é na tapa. (eu de novo)


Resultado: rasteira pra lá e prá cá, empurrão, tapa até umas zoras, e fui eu quem saiu do WC com os tickets no bolso e com um supercílio aberto. Mas fui assistir ao filme.


Valeu a pena. O Cap. Nascimento tá insuperável. A fotografia e o roteiro são excelentes e o áudio de primeira. Cine naciona com cara de gente grande.


Só não vai ganhar o Oscar por que não será indicado. Quem indica o filme brasileiro que concorrerá a uma vaga da Academia é o Ministério da Cultura, que por sua vez é composto de políticos, os mesmos políticos que estão tão piamente retratados no enredo. Infelizmente acho que a galera, inclusive Wagner Moura, que também entrou como co-produtor, vai ter que se contentar com Cannes e sua Palma de Ouro, ou outros festivais sérios de cinema que brindam a arte e não apenas visam a bilheteria, que certamente virão… mas tá valendo.


P.S.: Assistam

6.10.10

Envelhecência

Quando o primeiro da turma casou, não sabíamos exatamente o que dizer. Birôio era legal e da gréia, apesar do estrabismo e de ser o mais gordo entre os recém adultos amigos de infância. Um dos poucos que tinham carro, namorava com Laurinha...

Ahh... Laurinha. Não sabíamos exatamente porque ela escolheu Birôio pra namorar, e muito menos pra casar, mas aposto que qualquer um de nós gostaria de desbravar essa nova etapa da vida ao seu lado. Ela era incrível. Daquelas que desafiam paradigmas. Bonita, inteligente e canta.

Lembro de um churrasco onde Douglas (esse era o nome de Birôio) chegou um pouco depois de Laura dizendo na roda de amigos: “oi amore, desculpa o atraso”. Laurinha rebateu de pronto: “fala feito homem, porra!”. Ela não gostava de frescuras adjetivantes: mozi, momo, cuti-cuti... esse papo nhenhemzinho era amplamente descartado por Laura. Mas mesmo assim casou-se com Birôio.

Nos anos seguintes quase todos nós da rua casamos, o último solteirão acaba de mandar o convite do seu casamento por e-mail, porém, durante muitos anos havíamos perdido o contato com o primeiro casal oficial da turma.

Passados mais de 20 anos desde o casamento de Birôio e de Laurinha, noventa por cento dos casamentos daquela galera não aguentou os melindres e caprichos da convivência conjugal e acabaram antes das primeiras bodas, inclusive o meu.

Esta semana eu estava fazendo compras no Extra e ao entrar na seção de congelados, deparei-me com Laurinha, três meninas e, pasmem, Douglas, casados, felizes e divertidos como sempre. Disseram que voltaram para o bairro. Laurinha, agora já coroa, continua uma gata de arrebatar corações e deixar peruas de 25 anos roxas de inveja. Se ela lesse meu pensamento diria: “fala feito homem, porra!”.

Ahh... Laurinha.

4.10.10

Mudei

Após uma longa temporada morando em em 3 edifícios diferentes, mudei há uns dois meses para uma casa. Este mote: casa & construção, será tema de crônicas futuras, porém gostaria de aqui, deixar registrado o processo de adaptação a um novo estilo de moradia, plana, ao nível do mar, com garagem… uma casa!


No último prédio, em quase cinco anos, eu não sabia o que eram “vizinhos”. Além do síndico, seu Odilon, que eu a principio julgara um aposentado, e logo depois confirmara a suspeita, e era o único morador que até então dispensara alguma prosa. Cinco anos eu um prédio de 40 apartamentos e não ouvia a voz de quase ninguém, a não ser a daquela simpática moradora que vez por outra interfonava dizendo: “olá seu Alberto, desculpe acordá-lo mas é que eu bati no seu carro de novo, hi hi hi.”. Sem problemas, ela sempre pagou o conserto do parachoque.


Na nova casa, com mais que o dobro do tamanho do apertamento anterior, tenho agora espaço para guardar a minha bicicleta, que não precisa mais ficar entacionada à frente da geladeira. Não que seja um mau lugar, mas é que a porta do eletrodoméstico tava parecendo de carro que estaciona em shopping, cheia de morsas, já tinha até cogitado de levá-la a um martelinho de ouro aqui perto.


Fora o empréstimo, que ainda perdurará por seis anos, e a construção, que me envelheceu outros oito e emagreceu 10 quilos, a casa ficou ótima. Quase que em sua totalidade espaçosa, exceto pela garagem, que neste caso, creio o problema ser o tamanho excessivo do meu carro, mas já estou procurando algo menor. Temos quartos pra todos e ainda sobrou um espaço para um misto de estúdio e escritório onde faço minhas músicas e meus freela’s.


Os costumes de uma casa são diferentes dos de um apartamento. O oitão (antigo isso, né?), um corredor externo que liga o quintal nos fundos à garagem na frente, tem uma peculiaridade interessante: geração espontânea! Há duas semanas que brotam lá talheres das mais diversas marcas e cores. Nenhum iguais aos meus. Hoje de manhã encontrei uma faca verde limão e uma colher bege. Estou guardando tudo, quando completar um faqueiro eu verei o que faço.


Outra curiosidade é que a janela do meu quarto no primeiro andar dá pra o quintal do vizinho, um senhor aposentado que vive arando a terra pra platar sua horta. O ritual se repete todo dia, inclusive nos finais de semana, até as oito, quando baixa um sapateiro no véio e ele começa a consertar sapatos, caçarolas (também é antigo, hein?) e tudo que aparecer quebrado na casa dele e no resto do bairro, nunca falta serviço. Ganhei um despertador infalível com um barulho infernal.


Acho que tenho que trabalhar mais, muito mais, pra quando eu me aposentar ir morar em algum vigésimo andar por aí… sem vizinhos.


P.S.: Nunca mais construo nada.