26.12.05

Todo mundo pra fora!

Ontem eu estava lendo Veríssimo, aquelas Comédias... numa crônica, encontrei um casal na cama, momentos antes de iniciarem o ato sexual. De repente, sem ninguém esperar, ela começa a dizer coisas do tipo: – não estamos a sós aqui! – Claro! Era o pai dela que se unira aos dois pra ficar olhando, e não era só ele, tinha também o seu superego que às vezes se confundia com a figura paterna, mas seu namorado logo tratou de explicar que eles eram “pessoas” distintas mesmo, como lhe dissera seu analista. Causou-me estranheza, o cara também ter essas nóias, o que se esclareceu rapidamente, quando ele disse que o analista também estava na cama com todos eles, além, é claro, da sua mãe.

Já que a mistura estava ficando muito cosmopolita, e a cama não era lá das melhores, continuei lendo o texto, esperando o momento do crash, acho que estava querendo mesmo ver aquela cena: todo mundo nu no chão do quarto, rindo da situação ridícula imposta pelas suas presenças... opa! Ainda tinha mais gente pra chegar: o cara sai com uma que, na verdade, cada um deles (o casal) eram três, ou seja, seis: o eu, o alter e o superego. A coisa só esfriou quando a mulher disse que o Mendoncinha tinha acabado de chegar à festa... é isso mesmo, o Mendoncinha, aquele namorado que a desvirginara!

Foi a gota d’água! O cara já não tava muito à vontade diante daquela suruba familiar, e agüentar o Mendoncinha já seria demais... deixaram a transa pra mais tarde, o que deve ter desagradado muita gente naquela cama, inclusive o Mendoncinha!

Veríssimo sabe, como poucos, retratar a vida em contos rápidos e hilários. Não sei se ele se inspira em amigos, ou nele mesmo, ou na família, ou ainda, se cria tudo sozinho, mas sei que o faz com a destreza que lhe é peculiar e com a precisão de quem nasceu sabendo!

Acho que na “vida real”, tem gente que faz isso mesmo. Gente que não consegue separar as preocupações, aflições e fantasmas, mesmo nas horas mais sublimes da sua curta passagem por aqui, do eterno momento do amor. Gente que vê conta de luz na hora do clímax, que vê outras pessoas em um instante em que só dois interessam. O único ego que o casal precisa nessa hora é o EGOísmo, de um para com o outro... que se amem e aproveitem o instante, que é deles, e se dêem, e se amem!

23.12.05

Telepatia natural

Desde cedo, muito cedo, acho que eu devia ter uns 11 ou 12 anos e cursar a 5ª ou 6ª série, algumas pessoas destacavam-se do restante dos colegas de escola, pelo simples fato da antevisão das mais diversas reações, uns dos outros; do poder telegráfico de um olhar, mesmo inconscientemente. Era como se soubéssemos o que o outro pensava, na exatidão dos sentimentos. Alguns desses amigos continuaram a fazer parte do meu convívio, por mais alguns anos, formamos até aquelas bandinhas de garagem e festivais.

Hoje, não os tenho mais por perto, por vários motivos: mudanças de residência e de vida, afastamento natural, rumos distintos e até mesmo a morte. Mas sempre encontrei amizades com essa peculiaridade, esse poder, quase telepático, de olhar e desvendar o pensamento! Geralmente é gente que diz logo de cara: gosto de você de graça! E eu também os digo isso. Talvez eu seja gente boa, ou talvez o destino tenha colocado esse povo “gigante” de coração no meu caminho mesmo.

Noutro dia, na livraria Imperatriz, encontrei sentado em uma dessas poltronas que botam pra gente ler orelhas, ou até mesmo o livro inteiro, se nos convir, um senhor que aparentava seus 68 anos, um tanto careca, como presume-se ser os que passaram por um número incontável de “aperreios” e preocupações na vida, porém, assustadoramente tenro. Sua serenidade chamou minha atenção, senti que o conhecia de algum lugar. Estranhamente já havia tido essas sensações antes, como se soubesse que sua índole se enquadrasse na descrição daqueles amigos espontâneos e sinceros, que gostam da gente “de graça”.

Encaminhava-me à seção de ficção quando passei por ele, compenetrado, lia o prefácio de um esguio livro de capa roxa. Eu não tinha a intenção de perturbá-lo, mesmo porque a sua expressão àquele instante, era de quem tentava destrinchar um trecho de digestão lenta, quando, subitamente, ele exclama:

– Metáforas!
– Desculpe, senhor?
– São as metáforas, meu jovem, que permitem a sublime expressão poética, sem culpa ou prepotência, principalmente quando a sua mensagem deve transcender os limites da comunicação tradicional, ou andar encoberta por cortinas de reflexos onde o seu conteúdo seja claro, para quem precisa dela.

Perguntei se ele era escritor, respondeu que sim, que havia escrito muitos livros, todos eles com poesias direcionadas à sua ideologia, seus amores e seus conceitos sobre como o mundo deveria ser. Com isso, conseguiu realizar grandes coisas na vida, verdadeiras revoluções, e até ganhar um Nobel de literatura.

A conversa estava tão boa, que não dei por conta da passagem rápida do tempo (tem vezes que parece haver uma bolha de Cronos em nossa volta, que não nos deixa perceber o quão rápido passa a vida, voam os momentos sublimes). Perguntei o seu nome, e se havia livros dele naquela livraria. Ele me levou à seção de poesias e apontou para uma prateleira recheada de pequenos livros de bolso, todos de um mesmo autor, Pablo Neruda.

Quando retornei a vista para o corredor, não achei mais sinal do poeta, ainda assustado com o “desaparecimento”, percorri os corredores à sua procura, sem sucesso. Então, perguntei ao segurança da loja se ele vira o homem que estava conversando comigo minutos antes, quando ele me disse o seguinte:

– Não amigo. O senhor estava sozinho, lendo aquele livro de capa roxa, sentado naquela poltrona... sozinho.

P.S.: Encontrei Neruda há pouco tempo, mas a vitalidade de seus escritos soou como um estampido seco em minha diminuta e limitada, porém apaixonada veia poética, que sente como “Se cada dia cai, dentro de cada noite, há um poço onde a claridade está presa.”
Citação de Pablo Neruda (Últimos Poemas).

19.12.05

A curiosidade quase matou um homem

Todo mundo sabe que mulheres são muito, muitíssimo mais curiosas que homens. Há os exemplos mais clássicos possíveis a respeito desse comportamento: em um deles, com base religiosa, deu-se quando Eva induziu o pobre Adão a dar uma mordidela na tal maçã, causando suas expulsões do paraíso, como sabemos. Também pudera, Deus deixa a faca e o queijo nas mãos de dois “famintos”, e ainda espera que eles, apoiados por um tal de livre arbítrio, não o coma, e, diga-se de passagem, muito bem comido, afinal, estamos aqui!

Acho que Ele já sabia o que iria acontecer, mesmo porque deixou uma serpente lá dentro que garantiria a confusão; em outro exemplo, este com base científica, a curiosidade feminina foi benéfica para o desenvolvimento da humanidade. Enquanto nós, há quatro mil anos, trogloditas puxadores de mulhe sapiens pelos cabelos, saíamos em busca de mantimentos e de caça para o sustento da tribo nômade, as mulheres, que ficavam no “acampamento”, observavam as crianças, os insetos e a germinação das sementes de frutas atiradas no “lixão”, descobrindo assim, a agricultura, e conseqüentemente, tirando o homem do seu estado extrativista e colocando-o um passo acima na evolução: viramos sedentários.

O motivo real deste texto está relacionado diretamente ao tema, e aconteceu com duas almas conhecidas, predestinadas a viver juntas, diziam alguns, mas que por algum motivo sórdido, ainda não conseguiram “acertar os ponteiros”.

Por não saberem, ao certo, o porquê daquele amor imenso, buscavam informações em todo tipo de fé: estudos grafológicos, crendices populares, e até no sobrenatural. Eles sabiam que não poderiam viver um amor quase inabalável, enquanto algumas arestas não fossem aparadas. Quando juntos, era como se um êxtase de conforto e paz os envolvesse em gestos e olhares de sublime encantamento. As poucas horas passadas juntos, lhes valiam como vidas inteiras. Se amavam, não se largavam, e se amavam de novo, e de novo...

Até que um dia, a distância que seus mundos lhes impusera fez com que três palavras iniciadas com “c” os pusessem à prova: para ela, a curiosidade por um outro caminho... um caminho, talvez mais fácil, e menos doloroso, apesar de menos “recompensador”, creio, fez abalar as sólidas diretrizes dele. Fora tomado por um acesso de ciúme, desses vorazes que elevam a temperatura do peito, causando um tipo de azia cardíaca, deixando vir à tona sentimentos como insegurança e descrença, nunca dantes experimentados, resultado: medo de perder a sua essência, de não agüentar o sofrimento, de secar.

Mas algo mágico, ainda estava por acontecer, alguma reação em cadeia que iria os tornar aqueles seres desejados, unos em sincronismo, complementares, cúmplices. E era essa a última palavra com “c”, cumplicidade, que os faria viver a maior e mais arretada estória de amor que eu já ouvi falar, e que, tenho certeza que será eterna, enquanto viverem...

P.S.: Obrigado a vocês, mulheres, pela mordida, pela agricultura, e pela cumplicidade.

15.12.05

O imprevisível ser

É entre sutilezas, improvisos e imprevistos, que a vida nos revela momentos mágicos. Há quem aproveite o enredo para enaltecer as maravilhas da natureza, ou para demonstrar as perfeições do cosmo e suas inter-relações, ou ainda a beleza de pintura de um gol, de virada, de bicicleta, aos 47 do segundo tempo! Ufa! Mas prefiro ressaltar as pequenas reações humanas, que emergem em momentos inesperados.

O telejornalismo é um exemplo corriqueiro desses acontecimentos inusitados. Dentro do contexto, lembro de três ocasiões onde as reportagens tenderam para desfechos, no mínimo, cômicos, apesar da seriedade que o momento exige, afinal, seriedade transmite credibilidade, que é o que garante a audiência em um programa jornalístico.

O primeiro fato ocorreu quando Lílian Wite Fibe teve que noticiar uma apreensão de dez mil comprimidos de ecstasy, efetuada pela polícia de Miami, onde os traficantes (na minha opinião, os protagonistas) eram uma velhinha de 81 anos e um suposto namorado de 56, que na sua declaração à polícia disse saber da existência das pílulas, porém pensou se tratar de comprimidos de Viagra. Palavra chave para detonar uma crise de riso na apresentadora, que passou mais tempo rindo descontroladamente do fato, que na leitura da reportagem, e acabou por finalizar o jornal lindamente, com a classe que lhe é peculiar...

O segundo fato foi a entrevista que todos viram, em que Bianka Carvalho conversava sobre nutrição com Ruth Lemos (nutricionista pernambucana), quando aconteceu a maior crise de gagueira ao vivo que se tem notícia na televisão brasileira. O infortúnio, causado por um delay no som do ponto auricular da entrevistada, a confundiu e causou um dos maiores sucessos de disseminação de arquivo de vídeo na internet (teve gente dizendo que no mesmo dia já havia visto o vídeo em um site japonês). Neste caso, o ocorrido ajudou na popularização da “vítima”, que foi ao programa do Jô e fez até anúncio para companhia telefônica.

O terceiro é mais recente, ocorreu quando Sandra Annenberg e Evaristo Costa pegavam o retorno da reportagem onde o prefeito de uma cidade decretou que “ninguém poderia morrer” devido à falta de vagas no cemitério de sua cidade. Quando a câmera voltou para os referidos âncoras, os dois estavam debruçados na mesa, sem condições de falar, um querendo passar para o outro a “bola” e dar prosseguimento ao jornal.

Todos estamos sujeitos a situações em que o consciente perde o controle da ocasião e o tal do alterego não consegue suplantar as vergonhas ou emoções, principalmente quando acontece uma relação onde os olhares se voltam para nós ou quando o nervosismo (que não foi o caso da maioria dos fatos acima) nos absorve.

Uma vez, quando tinha uns 14 ou 15 anos fui pedir uma menina em namoro – soa tão antigo, né? – Marcamos na praça, a avistei quando ela dobrou a esquina, mas, ao me aproximar, quem disse que saiu alguma palavra? Nada! Baixou um frio de rachar, apesar da temperatura amena (25º, estimo), uma batedeira de queixo, e a completa fuga de quaisquer palavras... nem boa noite eu dei.

P.S.: nunca namorei com ela, mas em compensação, nunca mais aconteceu uma "pane" dessas... graças.

Reticências

E a vida a dois, renovada aflora
Em traços, complexos como os de Gaudí,
São meus braços loucos que te esperam agora
É minhalma ferida, que agora sorri

Tua calma que aflorava sozinha outrora
Agora, passa a fazer parte de mim
Entendo o sofrimento que tanto te devora
É como se o ar faltasse, sem tê-la aqui

Não te culpo por amar sem hora
Por ter horas em que odiar seria conforto
Te conforto enfim, por me esperar agora
Como certo que me faço do meu gosto

Ah! Antes que eu esqueça do sentido
Sinto sua alma de volta, amando, comigo.

12.12.05

Prólogo incontinente

– Se você continuar se comportando assim, findará por quebrar alguma parte do corpo, ou por adquirir alguma doença. Sabia que tinha gente que morria disso, antigamente?

– Muito pior, meu amigo, são as seqüelas do coração. Tais perdas não contam com a ajuda alheia para sarar. Bandagens e ungüentos não aliviam a dor, nem saberia indicar, ao certo, onde colocá-los. Sim! O amor mata, desconcerta o corpo e a mente, mas sem ele, as dores do mundo inteiro seriam sentidas na pele com todo furor. Se amamos, abrandamos os males, às vezes, nem sabemos deles, mesmo que estanquem em nossa frente.

– Vocês, metidos a poeta, pensam muita asneira. Não vêem que os amores vão e vêm, assim como as amizades. A vida sempre continua, independente deles, ou melhor, ela anda até melhor, se não se apegar a eles.

– Ledo engano. Não buscamos a poesia para expressar nossos pensamentos. Ela nos procura, nos aponta o caminho, como um labrador à sua caça. Fica imóvel, observando, esperando o nosso sangue atingir a temperatura certa, o “ponto de ebulição” do pensamento poético, e então, quando estamos preparados, nos atiça rápido, alçamos vôo sem medo de cair, sem limites de velocidade ou trena de palavras, sem prantos, mesmo que os demonstremos em nossos verbos.

– Não entendo vocês! Se sabem que vão cair, porquê saltam? Pés no chão e a certeza da não queda seria uma atitude mais prudente, diria até mais inteligente, mesmo.

– O inteligível passa pelo consciente, mas não há razão tão forte quanto o poder da emoção. Tais intelectualidades diluem-se quão lágrimas em oceano. É como tentar evitar que o algodoeiro se molhe numa enxurrada de desejos. Precisamos de tais sentimentalidades, nos fazem viajar, quase atingir o sol, contorná-lo e voltar para sentir a reciprocidade.

– E os que são sós, vão ter bem a ver?

– Sim, amigo monossilábico. Esses terão o respaldo da sua própria alma, e dos que o lerem por toda a vida, pois, como cuneiformes, em remotos tempos, perdurarão, pelo menos para quem os amou, e já é mais que suficiente para a eternização do ser.

– Entendi.

– Um abraço.

P.S.: adormeci e fui dialogar com outros camaradas...

9.12.05

“Indignação indigna”

As arbitrariedades e o abuso de poder estão presentes em todas as esferas da sociedade, acho até que são inerentes à psiqué humana. Sempre me deparo com situações em que a injustiça anda lado a lado com a arrogância e a falta de crescimento interior de alguns.

Há alguns meses eu vinha dirigindo pela avenida Agamenon Magalhães (acho que toda cidade tem uma), quando o sinal de trânsito “amarelou”. Dava para passar, mas resolvi frear porque a velocidade que eu vinha permitia isso, o mesmo não aconteceu com um carro que estava ao meu lado, por vir bem mais rápido que eu, o motorista acelerou mais um pouco e o transpôs enquanto ainda estava no amarelo.

Um guarda de trânsito que estava na esquina, apitou, sacou sua esferográfica Bic, e começou a expedir a multa. Infração gravíssima, já que se tratava de um suposto avanço de sinal vermelho (sete pontos na carteira, fora a grana), naquele momento, baixei meu vidro e argumentei com o “verdadeiro infrator”: o guarda, que o sinal ainda estava amarelo, quando o carro passou. Rapidamente, ele retrucou apontando a caneta para mim:

– “Fica calado, senão eu multo você também!”

Obedeci. Fechei a janela, esperei o sinal abrir e segui o fluxo, indignado com a reação do policial, que por razões injustas, pelo menos para quem foi multado ou ameaçado, usou o, para ele, “grande poder da autuação”, para desafogar mágoas pessoais, problemas em casa, com a mulher, cumprir metas, ou sabe-se lá o quê?

Minha indignação foi maior comigo mesmo. Talvez, atitudes de omissão como a que tive, sejam o que mantém esses fatos acontecendo à nossa frente, à luz do dia. Talvez o certo fosse chamar uma autoridade e relatar o fato, ou ir aos jornais, ou descer do carro e o afrontar pessoalmente... mas tive medo que o sistema já estivesse corrompido, e pudesse acontecer o pior, ou, no mínimo se ratificar a multa da ameaça.

Em outro caso, “deu em o jornal” que uma juíza fez, realmente, uma convergência proibida e o guarda, acertadamente a multou. Ela estacionou, identificou-se como magistrada e exigiu que o policial retirasse a infração. Ele não cedeu aos apelos abusivos da “cidadã acima da lei” e a multou realmente. Resultado: agora o policial que foi defender seus princípios, está regulando o trânsito em Cabrobó, devido à sua transferência da capital, solicitada, adivinha por quem?

A omissão tem sido um fator que, às vezes, se torna pior que o ato arbitrário, por possuir efeito cumulativo. Quando ocorre tal falta de ação, deixamos para os nossos sucessores, a possibilidade de encontrar o mesmo destino: a injustiça cruel das imperfeições humanas.

P.S.: farei os esforços que puder para não ser omisso, principalmente quando envolver pessoas amadas e desejos reais.

7.12.05

Estudo anárquico das metodologias poéticas

Fiz uma coisa terrível! Reescrevi um soneto meu, compondo-o com a métrica que nos é proposta pelos “auditores” literários. Utilizei rimas emparelhadas, que se demonstram pelas seguintes seqüências rimáticas: ABAB (que mais parecem um gabarito de vestibular, ou uma cadeia de DNA). Alterei também a composição dos seus catorze versos, que na nova versão estão em três quartetos e um dístico, no lugar dos dois quartetos e dois tercetos do original.

No tocante ao conteúdo, sou suspeito para dizer qual me agrada mais, ou até se algum agrada, porém continuo achando que o motivo é mais importante que a métrica, ou até mesmo que a rima. Como o próprio nome já diz: mova-se com seus motivos e encontre-se!

O título dos dois é um só: Desapego ciclonal


1- Soneto sem regras


De um leve toque no frio da noite
Vê-se o açoite que a mão produz
Desapegado das dores e dos andores
De sombras que se transformam em luz

No puro gosto pelo deleite
Afronta o seu tombo súbito
E a noite que fora tão eminente
Floresce em raios nítidos

Se sou mais carne que sentimento
Não falo. Sou quase mudo
Não vivo, quase vegeto

Se sou sentido em meu tormento
Me solto, sou livre ao vento
Me castro, se ao relento


2- Soneto métrico contido

De um leve toque no frio da noite, fez-se brisa
Soprando pra bem longe as dores da mão de ferro
Despeço-me das dores, andores, da pele lisa
E de tantas sombras que me fizeram soltar meu berro

Se do deleite não mais suportava a ausência
Discordo da queda que a meu ego impões
Nas noites de pura e simples descomplacência
Acrescentas a luz aos desejos de que dispões

Te jogo contra minha carne, meus sentimentos
Na ausência do teu falar, que dizes que provoco
Ainda quero sim, te passar os meus tormentos
Pra não ser o único ser a viver nesse sufoco

Pra me soltar da brisa e aproveitar inteiro o vento
Me castro das proteções do ego e vivo ao relento


Hoje em dia, já há “doutores” literários que aceitam as diversificações dos versos e de suas contagens, como que se a força que os move fosse, e acho que o é, maior que as minúcias das contagens tonais.

P.S.: talvez a essência tenha desvirtuado, mas a alma, em si, continua querendo encontrar o caminho que me ensinaste...

6.12.05

Os novos analistas

Há muito, muito tempo (sempre quis começar assim), nesta mesma galáxia, no mesmo planeta, antes da chamada “civilização moderna”, bem no início do período medieval, quando a Igreja ainda estava solidificando suas posses e sua doutrina, a custa de sangue, sacrifícios e de batalhas motivadas pela ampliação dos “feudos eucarísticos”... começou, ou melhor, se fortaleceu o processo que demonstra a capacidade humana de encontrar formas para solucionar problemas de relacionamento íntimo, inerentes a todos.

Neste caso, a inquietude do ser, ante seus próprios defeitos, justapostos à imperfeição das relações com indivíduos da mesma espécie, foram percebidas por estudiosos da natureza humana, eclesiásticos, no caso, possibilitando a criação de um método para desafogar mágoas ou pecados, comuns a uma sociedade que não conhecia os limites do humanitário e do perdoável. No final do século XIII, criou-se então, o confessionário, responsável por administrar o Sacramento da Reconciliação (consigo mesmo, e com Deus), que só viria a ficar universalmente prescrito em meados do século XV, um lugar físico em que o próprio cristão extraía suas mazelas e fazia o expurgo do seu mal.

No filme A Ilha (The Island), dirigido por Michael Bay (que se assemelha em muitos aspectos ao livro O Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, – apesar de dizerem que o seu roteiro é “original”), a tentativa de se criar meros repositores de órgãos, seres sem consciência que serviriam ao único propósito de salvar vidas humanas (se bem que apenas as vidas de quem dispusesse de alguns milhões para tal benfeitoria), sempre falhava, porque os tecidos e células se degeneravam sem uma razão para viver, sem uma alma, sem ambições e sonhos. Considero tal visão como sendo a que os antigos religiosos, e até mesmo seus antecessores, tiveram sobre o futuro das conseqüências que a vida sem “o temer”, ou sem o alívio de quem não compreende sua razão poderia trazer. A solução foi providencial.

Mais tarde (século XVIII), em uma esfera mais próxima do ser real, terreno, difundiu-se a psicologia clínica com tratos psicanalíticos. A medicina da mente e seus precursores descobriram que análises e auto-análises, também são essenciais para o bom desenvolvimento cerebral. Podem ajudar pessoas que se encontram em conflitos ou passam por provações, a entenderem seu problema, que já seria um grande passo à resolução do mesmo.

Hoje, vejo que as análises e confissões de outrora, que ainda permanecem presentes à época atual, têm um novo concorrente (ou ajudante), um espaço destinado a praticamente todos, e a qualquer assunto, os blogs. Serão estes os novos “doutores” das almas? Estarão destinados à ajuda e à solidariedade? Se firmarão como fontes perenes de ajuda, ou de auto-ajuda?

É preciso que se diga que nem todos os blogs da web são destinados às relações interiores, afinal o espaço é livre, mas a partir do momento em que escrevemos a verdade do coração, o que sentimos realmente, revela-se prazeroso e vicioso. Tenho alguns exemplos de blogs assim, alguns estão linkados, outros em bookmarker, mas todos importantíssimos na minha estrada.

P.S.: foi um pouco denso no começo, mas tive que fazer essas comparações... como que martelassem no cerebelo, e findassem por eclodir nessas palavras, abraços.

5.12.05

Acontecência marcada

Ele era poeta. Dizem até que já nasceu assim. Desde criança se interessava pelo lado “micro” das coisas, das suas interações. Não olhava para árvores apenas como criadoras de sombra, mas enxergava as minúcias das reações simbióticas entre o ser, o meio e a essência; o que outros chamam de clarividência de energia, ou leitura da aura, ou força... seja o que for. E era assim em tudo, principalmente com as pessoas. As observava atento aos detalhes corporais: cada pausa do diafragma; cada gota de suor que escorria pelo rosto; cada sorriso roto após uma gafe cometida, ou solto após uma emoção sentida, eram notados e traduzidos em metáforas leves, tão leves que ao lê-las, sentíamos essa leveza ser untada em nosso ser, podíamos acompanhar a onda de arrepios somáticos que se estendia até os extremos do nosso corpo, como abalos sísmicos de pele, revirando pêlos. E assim era sua vida; de observações em observações, sem nunca querer mais da existência, senão o aprender.

Ela era independente, dessas mulheres que dizem usar o seu lado prático, e até o usam, porém, nunca pararam para perceber que seus sentimentos devem ser tratados com a atenção que a praticidade de suas ações não dispõe. Possuía um sorriso largo e amizades tórridas, não se desesperava com quaisquer dificuldades, as enfrentava e, geralmente, as dominava. Dizia-se bem resolvida emocionalmente, mas quem poderia prever aquele encontro? Qual lado emocional não se desestabiliza com a paixão?

Amsterdã seria a capital da cultura pernambucana naquela semana, pelo menos uma pequena parte dela. Motivos diferentes os levaram até lá. Ele participava do Fórum Global de Filosofia e Arte, conseguira passagens e hospedagem através de um holandês, que conheceu seu trabalho quando esteve em Olinda, no projeto “arte por toda parte”. Tornaram-se amigos, passaram alguns carnavais no Brasil, e quando a oportunidade apareceu, o convidou para a mostra de poesia durante o fórum.

Ela também adorava carnaval. O motivo que a levou à Holanda foi fazer uma cobertura jornalística da viagem de blocos carnavalescos pela Europa.

O canal Prinsengracht, perto do centro, virou o ponto de encontro de brasileiros que habitam o Velho Mundo. Todos queriam matar um pouco da saudade de casa ao som do velho frevo do Vassourinhas (deve ser o mais conhecido no mundo inteiro), e lá, entre um passo e uma tapioca ocorreu o encontro:

– De onde tu és?

Perguntou em português mesmo, afinal a camisa dela tinha a estampa da bandeira de Pernambuco com a caricatura grafitada de Chico Science, e não era fácil encontrar esse tipo de "moda" nos Países Baixos.

– Sou do Recife, e você?
– De Olinda.

Pela primeira vez as palavras sumiram de sua língua, talvez por ter em vista uma outra, a que sempre procurou em cantos encobertos pelo desejo, pelo afã de um beijo que o despertasse para o tão sonhado amor...

Ela também emudeceu por alguns segundos. Achava que atravessar o Atlântico para encontrar alguém que faria seu coração palpitar seria, no mínimo, inusitado, mesmo porque, estava a trabalho e sua praticidade não a deixava relaxada para coisas do coração.

Talvez tenha sido amor à primeira vista, afinal, o quê dizer daquele aperto no peito, do calafrio na espinha e da vontade que a noite se estendesse para sempre... (olha o sempre aí, de novo) ... alguns dizem que é paixão, tem gente até estudando os efeitos de hormônios em nosso corpo que, com o tempo aniquilam os efeitos intrigantes desses caminhos cercados de interdependências entre cúmplices.

O que sei é que já se passaram dois anos, desde o ocorrido, e que nunca mais voltaram para o Brasil, estão morando em Frankfurt e, pelo que sei, não pretendem voltar.

2.12.05

Previsões

Enxergar o futuro não é tarefa fácil. A não ser por certas previsões gerais, dessas que se faz para posteridade, são até simples de se dizer, como uma que ouvi nessa semana: – “... vai acontecer ainda neste milênio, quando o Oriente Médio ainda estiver em guerra. Haverá um tsunami que devastará partes da costa asiática...”. – Muito provavelmente, a guerra no Oriente Médio, que já se estende há milênios, perdurará por mais outros; falhas tectônicas sub-oceânicas, geradoras dos maremotos, não são assim tão raras; e, considero ainda o tempo proposto, que favorece em muito o acaso. O difícil mesmo é prever o futuro próximo, que nos afeta diretamente, e nos enlouquece de tanto forçar a massa cinzenta a procurar saídas para as confusões da vida!

Em algumas áreas de atuação, a experiência, aliada à sensibilidade, fazem as vezes da premonição e antevêem os acontecimentos políticos, monetários e até geoestatísticos, mas há setores em que a experiência não “vale absolutamente nada”, como nos casos de comportamento pessoal, que enquadram-se perfeitamente nos tipos de previsões impossíveis de serem feitas, mesmo pelo próprio “vivente” do caso.

O que dizer de pessoas que tentam projetar suas vidas sentimentais em cima de relações passadas, e dizem que “não errarão mais...” como se erros não se repetissem, disfarçados como insetos mimetistas, ou invertidos. Tais seres agem como se suas companhias (ou futuras companhias) não tivessem outros anseios ou vontades. Esses comportamentos são guiados pelo caos. Não é que não haja ordem nesse estado, é que esta ordem, flutua além da nossa compreensão quando se trata de emoção.

O futuro de uma relação depende do agora! Alimenta-se das decisões tomadas a cada instante, as digere! O que não podemos fazer, é dizer que “daria errado”! Numa clara tentativa de mentir pra nós mesmos, fazendo previsões que nem os maiores videntes de todas as eras acertariam! Depende de nós mesmos a manutenção da magia virtuosa que sustenta o amor futuro. Apenas de nós...

1.12.05

Crer ou não crer?

Estive considerando algumas verdades absolutas do Universo. Verdades que se impõem para todos, não apenas para alguns ou para a maioria. Coisas como: o amor é bom, ou o sol sempre renascerá, ou que a morte terrena é irreversível – claro que para muitas religiões, o corpo finda, padece, mas a alma, essa é indestrutível, algumas vezes o espírito retorna, em outras fica lá pelo céu, fazendo provão até ser reenviado à terra, umas ficam no limbo, mergulhando quando a lâmina vem, e outras ficam mofando à espera do juízo final.

Apesar de tais verdades fazerem parte da nossa existência desde os primórdios, creio que, em níveis diferentes de adesão, somos todos céticos. Não daqueles que desacreditam em tudo (toda unanimidade é maluca mesmo!). Tais correntes de pensamento são tão loucas, a ponto de dizer a um pastor da igreja universal que Deus não existe, e ainda pedir-lhe tempo e atenção para dar explicações passo a passo sobre big-bangs intergalácticos, etc, obviamente eles recebem a resposta que estão possuídos e que devem deixar que ele exorcize esse “demônio”, ao melhor estilo dogmático padrão.

Outras correntes são mais maleáveis, porém o que me impede de ser cético por completo, e me “filiar” a um grupo que quer desmentir ou conferir as minúcias do conhecimento humano, é a aceitação das crenças, dos gostos, das preferências e dos medos das pessoas, e a vibração com que reconheço essas particularidades em cada um. Viva as diferenças! Sem elas estaríamos mais para autômatos sem essência que para errantes ascendentes.

É muito bom avaliar pessoas, observar vivências e conhecer as reações do povo. O problema é quando fico sozinho, ou quando a avaliação é subjetiva. Perco-me! Às vezes não sei o que quero, ou melhor, não sei como fazer o que quero. Não encontro as respostas em mim, na verdade, em lugar algum... onde devo procurar?

Acho que vou acabar virando cético mesmo! E dos ortodoxos!

P.S.: sem P.S.

30.11.05

Analisar poesia é descrer no amor

Acabo de ler uma análise sobre uma poesia de Drummond... não costumo fazer isso, e agora tentarei não mais fazê-lo. Não acreditei que eram acadêmicos a deferir tais observações, pareciam estar resolvendo uma equação bi-quadrática exponencial à derivada reversa, tais eram as minúcias que decifravam nas linhas do poeta, que, ao meu ver, só queria dizer, naquele instante, que seu coração assumira o controle cerebral e soprara palavras doces, diria até desleixadas, porém puras e sinceras.

Outro dia um amigo que é um estudioso da cultura popular, principalmente da literatura de cordel, disse-me que escrevi um “causo”, na verdade uma peleja, em sextilha, que é uma das formas de classificação dos cordéis. Eu lhe disse que nunca havia lido sobre isso e que se escrevi assim, foi pura sorte! Obviamente não estou comparando minha peleja amadora com nenhuma poesia de Drummond, nem de ninguém, mas, se eu com meu ínfimo conhecimento sobre “escrituras”, consegui relatar algo que chamou a atenção de um estudioso, imagine o que esses caras que nascem com o dom não conseguem?

Prefiro continuar acreditando que os poetas e “escribas” em geral, deixam fluir do amor (a pessoas, lugares ou ao trabalho e etc.) seus textos, e que as métricas encontradas pelos “especialistas”, são meras coincidências, criadas pela forma carinhosa com que escreveram.

P.S.: o que importa não é a análise, e sim a reação que elas causam, especialmente em quem as lê, e identifica passagens de sua vida, ou até a vida inteira..

29.11.05

Demissão sumariamente Real

Eu vi a raiva estampada nos olhos do dono da empresa, quando soube que sua funcionária estava grávida. Era como se tivesse perdido muito dinheiro investindo em ações que caíram vertiginosamente, como se a gravidez fosse premeditada, com o único objetivo de “roubar” sua fortuna, usufruindo a licença maternidade durante quatro meses. “Quatro meses só mamando”, – bradava. Parecia que pouco importavam a competência e os anos de dedicação ao trabalho que tanto elogiava outrora, principalmente quando suas ações geravam lucro.

Ponto crucial do fato acima, o lucro é o fator que move as empresas em uma sociedade capitalista, e mudar a concepção de toda uma sociedade não é tarefa fácil e não depende de vontades individuais, é claro! O que contesto são determinados gestores, que foram absorvidos pelo raciocínio monetário, onde as reações humanas frente a fatos delicados, são usurpadas e substituídas por ganância e poder.

Só para citar um exemplo da negatividade da cena, imagine a carga que esta criança começa a carregar, antes mesmo de nascer, apesar de ter sido uma gravidez desejada pelos pais, presumo ter sido esta sua primeira rejeição, e logo pelo pior motivo que existe para tal repúdio: o econômico. Será que não passou pela cabeça do chefe, que aquele devia ser um momento de alegria intensa, um acontecimento mágico, a criação de uma vida. Dessas mesmas vidas que garantem a perpetuação da espécie humana... “ops!” Acaba de me ocorrer um insight! O cara não deve ser humano... basta conversar com ele por cinco minutos para perceber sua personalidade racista e preconceituosa. Senti uma verdade absurda nas piadas que contou sobre negros e mulheres, como se os castigos aplicados o fizessem chegar a um estado qualquer de êxtase... como esperar reações humanas de quem coloca o dinheiro à frente da razão?

Tenho certeza que ele a demitirá assim que regressar da sua licença, como se ficar grávida fosse a maior das insubordinações. Em contrapartida, também sei que ela encontrará um emprego bem melhor, com gente bem melhor por perto e que criará seu filho com toda competência que lhe é peculiar.

E, quanto a mim, diante das injustiças demonstradas, só tenho três palavras para dizer ao chefe:

– Eu me demito!

28.11.05

Volta

Já que não tenho mais asas pra voar,
Já que o sol não brilha por aqui
E o silêncio do íntimo em que me encontro
Ensurdece meu pouco sonhar,
Refletindo tua ausência em meu vazio.

No que antes, contigo aqui,
Era oásis, era conforto,
Causava inveja ao mais puro coração.
Tornava leve o meu dia mais sombrio.
Deixava-me ser o que nasci pra ser.

Agora, peço-te.
Agora, rogo a ti.
Porque não vivo mais.
Por quê os ventos não sopram como antes?
Eu sei. Tento esconder.

Talvez eles te tragam pra cá,
Talvez só me deixem te ver.
Encontro-me como um louco
Que vê a alegria escapar...
Que vê seu ser padecer.

24.11.05

Desencontro provocado: desfecho

- Marcos, eu te disse que estava casada. Quando você foi fazer aquele curso na escola de cinema, quase fico louca de saudade, mas achei que foi melhor mesmo a gente acabar. Savino me consolou muito e terminei me apaixonando, casamos mas não tenho filhos...

- Simone, eu lembro que quando soube da notícia quase tenho um treco. Queria voltar e te dizer o que sentia, mas não tava com condições pra isso...

Bom, o papo foi se alongando, se alongando e quando deram por conta já passava das 18 horas. Resolveram assistir a um filme qualquer. Na verdade o filme não era importante, e sim o cinema em si... algumas paixões, antigas ou não, nos deixam assim: sem preocupações com os olhares dos transeuntes, ou sem medo de encontrar algum conhecido. Parece até que temos o plug-in da invisibilidade e que nada nos tira a concentração do rosto do outro. Pois bem, após o filme Marcos insistiu para esticarem o encontro, num lugar mais reservado, óbvio. Mas Simone foi intransigente e disse que não trairia seu marido, apesar da vida conjugal estar atribulada. Se despediram e trocaram telefones.

A essa altura, Savino e Juliana já haviam descoberto milhares de pontos em comum nas suas trajetórias amorosas. Seus anseios e suas decepções, suas dúvidas e, como alguns têm coragem para terminar relações e outros apenas postergam decisões. Mas não era só uma boa conversa que agradara Savino, nem a beleza diferente e hipnotizadora de Juliana, algo mexeu com o seu íntimo, se sentia bem ao lado dela, como se a tranqüilidade que seu coração não encontrara em anos de busca estivesse ao alcance. E o que é melhor: Juliana lhe dera todos os motivos para acreditar que ela também estava sentindo o mesmo...

Savino levou Juliana para casa, que por sinal era uma contra-mão incrível, mas ele nem se incomodou, pelo contrário, queria até que fosse mais longe só para passar mais tempo com ela, os dois também trocaram telefones e se despediram com um beijo no rosto.

Quando voltou pra casa, Simone já o esperava com uma pizza para o jantar e com o seu presente de natal na mão. O natal seria dali a alguns dias, o que causou uma certa estranheza em Savino, mas, como de costume, a beijou e não fez perguntas sobre o seu dia... já Simone:

- Oi Savino, e aí? Me conta como foi a pelada, muita gente?

- É Simone, muita gente. Perdemos de novo, mas a farra não durou muito, não!

- Não durou e você só chegou agora, hein? Imagine se estivesse bom?

- Simone, precisamos conversar sobre a nossa situação aqui em casa. Há algum tempo que a gente só faz brigar e isso não é muito bom para a relação...

- Oi! Não era você quem não discutia relação? O que foi que houve que, de uma hora pra outra, seu pensamento virou 180 graus?

- Andei conversando com Juliana, lembra dela? Era a namorada de Matheus, lembra?
- Sim, lembro. Soube que eles acabaram, o que tem ela... vocês “ficaram” na pelada!?

- Não Simone! Quer dizer, ficamos conversando. Foi um papo muito legal e eu queria que você me dissesse o que deseja da nossa união? Se sua intenção é estar casada comigo até envelhecermos? Porque eu acho que se já estamos com essa falta de diálogo hoje, imagine quando estivermos passando dos cinqüenta? Por enquanto ainda há tempo de ser feliz...

- Bem Savino, eu tava com seu presente na mão para lhe entregar... sei que ainda não é natal, mas queria conversar justamente isso com você, discutir a relação, mas não sabia como começar a conversa, porque você vivia dizendo que não fazia isso! Também encontrei alguém no shopping, Marcos...

- Aquele seu namorado?

- É... almoçamos juntos e depois fomos ao cinema. Ficamos de nos falar pra ver o que essa conversa, que eu iria propor, reservou...

- Pois é Simone, você também sente como eu, que nossa estória acabou, e que seremos mais felizes separados?

- Também acho isso Savino. Nós somos independentes financeiramente, temos nossas vidas muito diferentes e não temos filhos, talvez possamos ficar amigos e, quem sabe, sair com nossos novos amores, não é?

- É.

E assim Savino e Simone realizaram a separação mais amigável e mais rápida que eu tenho notícia. Sem mágoa, sem rancor, sem ressentimento. Hoje, eles vivem em perfeita harmonia com seus novos cônjuges e até já têm filhos...

Essa é uma “obra” de ficção. Na vida real as pessoas se anulam, se batem e debatem, não tomam atitudes que fariam suas vidas serem como sonharam, por imposições da sociedade ou por medo de si mesmos. E quando tomam, geralmente o litígio já está declarado. A coragem, que é na verdade a grande força que realiza as maiores transformações em nossas vidas... ah, a coragem!!!

P.S.: Savino e Simone não são reais, mas eu conheço pelo menos uma dúzia de casais que não se tratam com respeito e que poderiam começar a mudar conversando sobre isso...

23.11.05

Desencontro provocado

- Como assim inadiável? E eu? Você não se importa com o que eu sinto? Quero ver quando eu criar coragem, Savino... se eu crio coragem eu te deixo! Não me venha mendigar carinho depois!

- Simone, deixa de drama! Não entra nessa de discutir relação! É só a última pelada do ano e é de dia... o que pode acontecer de mais? Todas as esposas vão. Por quê você não fica “boazinha” e vem comigo?

- Não Savino! Não vou perder meu sábado, véspera de natal, pra assistir um bando de marmanjos correndo atrás de uma bola. Conheço bem essas peladas, depois tem o chope pra comemorar a vitória ou pra chorar a derrota. A gente vai terminar chegando em casa à noite, cansados e sem tempo de fazer as compras. Vou pro shopping!

E lá se foram... Savino para a pelada e Simone às compras. Mal sabiam que aquele fim de semana reservara mudanças radicais para as suas vidas, essas coisas que têm que acontecer a todo custo, e as circunstâncias ainda corroboram para isso. Até parece que tem alguém “arranjando” todas as coincidências possíveis, a tal “conspiração universal”.

No futebol não houve novidade! O time de Savino perdeu mais uma, “pra variar”! E também “pra variar”, Simone estava certa: rolou uns chopinhos no final da partida, claro!

Do outro lado da cidade, no shopping, depois de comprar tudo que é de presente para a famíia e para os amigos secretos de todos, bate aquela fome e ela vai almoçar na praça de alimentação, como de costume.

No clube de campo já não se tinha contagem certa para os litros de chope que consumiram... muita alegria e descontração, exceto em Savino, que naquele momento se afastara um pouco da farra e sentara em um banquinho perto do lago pra pensar na vida, e se, realmente, era essa vida que ele queria para “sempre” (parece muito tempo, mas quando se trata de felicidade, o sempre é o quão longe o amor e seus limites podem nos levar).

Juliana, amiga de todos, acabara de terminar um relacionamento de cinco anos, e só foi à festa porque as amigas insistiram muito. Ela sempre se sentiu atraída por Savino, mas, por ele ser casado e ela comprometida, nunca havia tentado uma aproximação, até aquele dia, quando o viu só e triste na beira do lago. Naquele instante, projeções à velocidade da luz se fizeram em sua mente, como quem descobrira a relação ideal, a “outra metade” que fora encontrada. Aproximou-se dele, e perguntou o que estava havendo, que não era “aquele” Savino que ela conhecia e que queria sua alegria de volta. Savino não falou nada sobre seus problemas em casa, e de como estava difícil a vida de casado. Falaram sobre o dia, sobre os amigos, as alegrias, até que a sua própria voltou, não sabia muito bem do porquê, mas aquela conversa com Juliana lhe fizera muito bem, tanto que a chamou para comer uma pizza e continuar o papo.

No outro lado da cidade e da estória, Simone já esperava seu pedido: frango à Kiev, como de costume, ela era fixa nas preferências e assim como Savino, sempre comia naquele restaurante quando ia ao shopping. Até que enfim, chamaram seu número, e quando se aproximava do guichê, uma mão segura sua cabeça, tapando seus olhos, e uma voz que não era estranha lhe pedira para adivinhar quem era.

- Marcos, há quanto tempo! Como está lá em Cuba, me conta tudo, seu trabalho, sua família, você casou?

- Oi Simone! Não, não casei, na verdade voltei para saber como você está, como anda essa cabecinha que eu tanto amei, e que até hoje não saiu da minha...

continua

21.11.05

Caçadores de almas

Vi uma entrevista com Chico Buarque, onde ele se declarava um inquieto curioso sobre a alma feminina, sempre buscando decifrá-la, deglutí-la, absorvê-la. Isso é retratado claramente em diversas de suas canções, onde ele consegue encontrar, creio, com muitas dessas almas que afirma procurar.

Não ouso dizer que sou seguidor desses passos tão elevados. Conheço minha improbabilidade de atingir tal estágio de contemplação, e não conseguiria descrever os objetos de tal admiração tão bem, usando minhas palavras insípidas. Prefiro manter-me em meu canto, apenas convivendo com esse universo rico e invisível aos meus olhos de aprendiz. Quanto às almas, as sinto. Consigo até acompanhar seus cheiros, sem nunca tocá-las. Há algum tempo pensei ter conseguido o tão desejado contato, mas agora se esvaiu, e já nem tenho certeza se houve tal afago.

Talvez a complexidade do universo feminino exista para não permitir que o decifrem, tal revelação seria devastadora e catastrófica, inclusive para o diminuto e simplório ‘nano-universo’ masculino. Sem seus mistérios, todos os homens se igualariam na busca pela, hoje, inalcançável plenitude do ser mais perfeito do planeta, a mulher, tornando banal conquistas impensáveis ou obras de vidas inteiras, dedicadas ao melhor dos ‘passatempos’, o amor.

No caso de Chico, quando indagado se as mulheres de suas músicas seriam reais, respondeu prontamente, para a minha completa surpresa:

– “eu as inventei”.

Como “inventar” sentimentos tão profundos e, às vezes, contundentes? Como transcender o corpo para adentrar em mentes de outrem, principalmente quando essas mentes não existem! É esse é o segredo da genialidade? Como falar por Genis, Beatrizes, Carolinas e pelas que ‘olham nos olhos’, sem conhecê-las, “apenas” inventando-as? E tantas outras que foram despejadas, como se amasse quinhentas vezes, cada uma com mais intensidade.

Para mim, bastam a observação e o cheiro...

18.11.05

Idas

E quando eu juro que consegui

Você me vem

Mais forte e dominante

Mais sufocante e intensa

Como metáforas prum poeta

Como breu pras mãos suadas

E a vida será assim

Como o mar sem ondas

E é de dar dó essa serenidade

De não crer nessa demência

Porque quando o sorriso se esvai

Com ele se vão os sonhos

E o que me move agora

É a certeza de que serás feliz

Que não pensarás em mim

E nem me amarás

E nem viverás

Quanto a mim:

Só observo o silêncio

Só lembro de nós

Só morro

17.11.05

Terapia matinal

Já estou beirando os trinta e cinco anos, e ainda hoje me surpreendo com coisas que acontecem desde os tempos de criança. Agora a pouco aconteceu um... como direi? “Acidente de percurso” no banheiro, que, após algumas divagações e análises, ocorreu-me que podem ser coisas desse tipo a causa de centenas, ou até de milhares de separações que ocorrem anualmente, entre casais comuns.

Nós homens temos, talvez, o privilégio de fazer algumas das necessidades fisiológicas em pé mesmo. Pois é, disse talvez, porque a tal mijadinha rápida pode até ser prática, mas, para homens casados, e dependendo do nível de estresse da cônjuge, pode ser a tal gota d`água que transborda o limite da convivência pacífica, e acarreta desavença e desunião.

Pois bem mulheres leitoras, tentarei explicar o ocorrido com o maior zêlo, e peço que também compreendam seus maridos, visto que a culpa não é nossa. São motivos biológicos, mecânicos e “fósforo-dependentes”, no que diz respeito à memória, os fatores que causam o “efeito língua de cobra” na saída da primeira urina matinal, molhando não só a borda da bacia sanitária, como também sua tampa, o Box, o armário, o papel higiênico e, às vezes, nossos próprios pés.

Estudo proposto: nosso “bilau” é um músculo cavernoso, com um canal chamado uretra, que é responsável, entre outras coisas mais fecundas, pela eliminação da urina. Por ser composto basicamente de mucosa, o referido canal possui uma certa viscosidade natural que se acentua após uma longa noite de sono, devido ao “amassamento” sofrido pelo mesmo, que ficou às voltas entre o corpo e o colchão.

Estando expostos os fatores biológicos (composição) e mecânicos (compressão), vamos ao lapso cerebral que, se sanado, poderia evitar tais “acidentes”:

Defesa - o homem esquece mesmo. Outro dia eu fiz dezoito pontos no teste da memória do Fantástico (é... às vezes eu também assisto TV, perdão!), a tal sabatina classificava notas menores que oito como ideais, dez a menos que a minha, só não obtive uma pontuação maior porque esqueci de algumas perguntas.

Se nós, da “macheza”, fôssemos bons de lembranças, teríamos muito menos problemas por esquecer compromissos e aniversários, e em relação ao embate em questão, bastava lembrarmos de fazer alguns movimentos rotatórios no nosso “amigo sonolento”, como quem desamassa um canudinho de refrigerante, e pronto! O xixi seria expelido como um esguicho uniforme e direcionável, deixando o banheiro limpo, como deve ser.

Agora, sem atribuir-lhes culpa alguma, vocês mulheres também poderiam dar sua parcela de colaboração para que as relações conjugais sejam mais duráveis, pelo menos sob o mérito aqui debatido. Outro jeito interessante de “desentupir” o canal supra citado é o acordar com amor... sim, sexo nas primeiras horas da manhã pode evitar brigas por questões de ordem higiênica e separações, trazendo um excelente início de dia para o casal.

Dica: escovem os dentes.

P.S.: No final todos se ajudam e a relação dura... enquanto dura!

16.11.05

Inácio Mentira – Parte III: colação de grau

Sim, ele reapareceu. Dessa vez protagonizando uma das maiores farsas que eu tive conhecimento. Estávamos no período em que os amigos da turma estavam se formando. Uns com graduação em medicina, outros em jornalismo, mas a maioria estava cursando engenharia civil.

Alguns dos nossos amigos cursavam engenharia civil na Escola Politécnica, entre eles o meu primo, que era, talvez, o melhor amigo de Inácio. Geralmente nos encontrávamos na faculdade às sextas-feiras para cair na farra, foi lá que o avistamos, saindo de uma das aulas de cálculo estrutural, as piores aulas da Poli, e onde era mais intenso o cheiro de chifre queimado, devido ao alto nível de raciocínio exigido pelo professor. Espantados com sua presença nos corredores, gritamos:

– Inácio! Há quanto tempo, rapaz? Tás fazendo o quê por aqui?
– Pois é amigos, eu tava estudando na Inglaterra, comecei engenharia por lá, agora consegui transferência pra Poli. Tô fazendo Civil e termino em dois anos.

Achamos estranho o fato, já que Inácio saira do Brasil (se é que saiu mesmo?), apenas com a quinta série e tenha voltado cursando civil. Conversamos mais um pouco, colocamos o papo em dia, ele nos falou que estava esperando a namorada, também aluna da faculdade. Duvidamos dele e ficamos por perto observando-o. Até que uma bela garota se aproximou dele e o beijou. Ficamos boquiabertos! Não pelo beijo demorado, nem por ela ser bonita, com cabelos grandes e enrolados, nem tampouco pela boina da infantaria do exército que ela usava. Ficamos com o queixo tocando o esterno porque, depois de muitos anos de convivência, vimos Inácio falar uma verdade, ele tava namorando...

Nos aproximamos para confirmar com os ouvidos o que os olhos viram. Inácio foi, de pronto, apresentado a moça:

– Deixe-me apresentar minha Musa. Ela estuda aqui e vai se formar no mesmo período que eu. O pai dela é militar e quando nos casarmos ele vai ajudar na montagem da nossa própria construtora.

O mais incrível, apesar de estarmos incrédulos, foi que Musa confirmou tudo que Inácio disse e ainda acrescentou:

– É... meu pai já emprestou até um dinheiro pra gente alugar um escritório em Boa Viagem e começar a fazer alguns projetos, Júnior já tá tomando conta dessa parte burocrática.

Pobre menina! Nesse instante percebemos que ela já estava completamente embebida nas mentiras de Inácio, só não entendemos muito bem como ele conseguiu acesso à faculdade e como assistia às aulas. Aguçada a curiosidade, partimos em busca de contatos, amigos do casal na faculdade, que pudessem confirmar ou desmentir o fato. Além do mais, dessa vez Inácio fora longe demais, a menina era filha de militar, e pelo que nos consta, essa gente é metida a “cavalo do cão”, e alguns ao próprio “cão”.

Encontramos alguns amigos em comum entre ela e nossas namoradas, e passamos a sair em casais. Íamos a bares e restaurantes e criamos um vínculo de amizade interessante, o que nos possibilitou a descoberta das mais incríveis estórias sobre o namoro dos dois, não dá pra descrever todas, mas vamos a algumas delas:

Fato um – Sabíamos que Inácio não dirigia, e pensávamos que sua namorada também soubesse, por ela sempre vir guiando o carro do seu pai. Ledo engano, num desses jantares ela nos falou que “Júnior não dirigia, apesar de ter carteira, porque não gostava de pegar no carro dos outros, só iria dirigir quando comprasse o seu próprio carro, isso é tão nobre, não é?”.

Imaginamos o perigo que essa mentira representava: se de repente acontecesse algum problema e Inácio se visse obrigado a dirigir, como ele se explicaria, iria manter sua tese e só pilotar seu próprio carro, ou contar a verdade? Mais tarde descobrimos que ele arquitetara um plano para conseguir o dinheiro do seu próprio carro com o pai dela.

Fato dois – Como Inácio conseguia conteúdo para se passar por estudante de engenharia? Inclusive o víamos, freqüentemente, com um caderno repleto de cálculos, das mais diversas cadeiras, porém, nunca o vimos escrever nele. Como o atualizava? Musa dizia o seguinte:

– Nunca vi uma pessoa estudar tanto como Júnior, passamos vários finais de semana em casa, sem sair para lugar algum, e ele fica só lendo esse caderno.

Descobrimos que um amigo nosso, que realmente cursava a faculdade, emprestava seu caderno para Inácio, que prontamente o copiava. Soubemos também que ele ainda resolvia algumas das tarefas de Musa, que Inácio dizia que levaria pra casa por estar com dor de cabeça e resolveria a questão depois, quando a "dor" passasse.

Como não se pode viver mentindo pra sempre, a farsa acabou. Ao encontrarmos Musa em um determinado restaurante, não foi surpresa sua atitude para conosco. Sabíamos que um dia qualquer ela descobriria a verdade, só não imaginamos que seu nível de rancor e ódio se estenderia a nós, pobres co-vítimas do poder da não verdade. Ela gritou no meio do almoço:

– Vocês todos são cúmplices, sabiam que aquele filho da puta tava mentindo e mesmo assim acobertaram ele. Vocês são culpados também, e aposto que ele dividiu até o dinheiro que pediu emprestado ao meu pai, pra comprar o carro, com vocês. E quer saber mais? Não vou almoçar no mesmo lugar que vocês, safados.

Antes que pudéssemos perguntar qualquer coisa ou dar alguma explicação, ela saiu “cantando pneu” e nos deixou com cara de dançarina da can can que perde a saia no meio da apresentação. Sabíamos que isso poderia acontecer, mas nunca imaginamos que iria sobrar pra gente.

No outro dia fomos procurar Inácio para que ele esclarecesse o ocorrido. Chegamos na casa dele e sua mãe nos atendeu:

– Ah! Inácio foi para o interior, trabalhar numa obra. Tavam precisando de engenheiro e ele foi indicado pela faculdade.

Das duas uma: ou Inácio mentira também em casa sobre suas aventuras acadêmicas e profissionais, ou a falta da verdade na retórica era mal de família.

Ficamos sabendo por outras fontes, que Inácio havia fugido sim para um interior não divulgado, e que o pai de Musa tinha botado até detetive particular atrás dele, e, pelo que consta, se o pegasse não iria ser tão bonzinho, como costumava ser com seus recrutas do quartel...

Ficamos sem notícias do protagonista dessa série por mais de três anos, até que outro dia...

P.S.: "etâ historinha comprida!!!"

11.11.05

Inácio Mentira – Parte II: a profissionalização

Ele chegou com uma baixinha, ao qual a pouca estatura se acentuava pela proximidade com aquele ser agigantado. Era simpática a menina, já chegou sorrindo! E antes de ser apresentada já houvera apertado as mãos de todos da “roda”.

– “Essa é minha namorada: Carol”. – Disse Inácio, com uma ponta de orgulho, que escorria do alto dos seus 1,96 metros, talvez por estar acompanhado pela primeira vez em anos de convivência, e por ela ser bem afeiçoada.

Após a apresentação, como de costume, foi logo entrando na conversa: falávamos sobre as aulas de informática que aconteceriam como preparação para o concurso público da receita, e da minha escalação para o simuladão que aconteceria no domingo vindouro no Iteci. Já Fábio, que trabalhava no Interdata iria aplicar a prova na unidade de Boa Viagem. De repente Carol nos assombra com a seguinte declaração:

– “Júnior – como o chamava, também vai aplicar esta prova na Interdata da Boa Vista”.

Notícia que foi confirmada pelo próprio Inácio. Ora, sabíamos que o nosso amigo, aquele mesmo que não tinha intimidade nenhuma com a informática, não poderia, de uma hora para outra, ter sido contratado para dar aulas de iniciação à computação, e o próprio Fábio nunca o vira nas reuniões de instrutores da empresa. Tudo bem, pensamos. Quem nunca contou uma mentirinha para impressionar uma namoradinha? O pior é que ele mesmo, sem a presença dela, confirmou tudo conosco, e ainda disse que estava com cinco turmas, assoberbado de trabalho. Até brincamos que era um professor virtual, mas ele insistia que fora contratado após vários testes seletivos. Pois bem, brincamos o resto do dia e não o encontramos mais até o fim do carnaval.

Outro dia fomos convidados para um churrasco na casa de seu Ramos, pai de Dani, amiga muito querida por todos e muito desejada por alguns. Por ser um “grandão” da Volks, era “bombado”. A estrutura que dispunha nosso anfitrião para receber convidados era coisa de cinema. Foi a primeira vez que vimos uma churrasqueira elétrica rotatória com capacidade para mais de 300 asinhas e dez quilos de picanha simultaneamente. A casa parecia um hotel: sauna, jogos de salão, piscina com bar dentro, o que nos deixava à altura da figura mais procurada por todos nessas horas, Zé. Aquele caseiro “gente fina”, que em comemorações “atacava” de garçom.

Sentávamos nos banquinhos dentro da piscina, com água até o peito e pedíamos uma cerveja super gelada ao “bar-man” mais querido do evento: – "Zé, desce uma". – Ele, com a desobediência que lhe era peculiar, abria logo duas, das mais geladas ainda...

Confesso que tínhamos uma relativa timidez em relação ao excesso de mordomia. Todos, menos Inácio, que, penso eu, incorporava alguma entidade das elites antepassadas, e parecia um burguês com gestos finos e discurso nobre (como se não o conhecêssemos), principalmente na presença de sua namorada, a mesma do carnaval. Não sabíamos sequer o motivo da festa, pouco importava, estávamos à vontade na mesma mesa que a filha do dono. Ainda dava tempo de tocar violão, pois havia um verdadeiro palco com equipamentos de última geração e até jogo de luz.

Muita gente se confraternizava naquele dia, quando de repente instaura-se uma confusão vinda da piscina:

– “joguei mesmo! E jogo de novo nesse safado”.

Pelo adjetivo utilizado, já imaginávamos quem fora o pivô ro “rebuliço”.

– “esse safado, ladrão, corrupto mentiu pra mim e eu joguei o balde cheio de água na cabeça dele!”

Carol acabara de descobrir que seu namorado não era formado, não dava aula de informática e que, provavelmente, não iria pagar o dinheiro que pedira emprestado até receber o pagamento do curso. Quem disse tudo isso , o desmentindo perante seus tios, foi a sua prima, que por coincidência era ex-namorada do mesmo, e que caíra no mesmo golpe, só que a profissão que o malandro disse ter era de jogador de basquete do Português, e um dos únicos a receber salário...

Inácio, após se recompor do golpe desferido por Carol com o uso do balde disse:

– “Amor, ela deve estar me confundindo com alguém...”.

O bom mentiroso nega até a morte... e foi-se embora se lamentando e segurando sua posição até o fim. O namoro acabou e passamos mais alguns meses sem vê-lo, até que um dia...

continua...

10.11.05

Inácio Mentira – Parte I: o início

Há quem diga que ele é um mito, uma lenda. Há quem jure que tudo foi inventado, que ninguém teria uma mente tão inventiva e inebriante daquelas. Eu, como narrador, devo apenas repassar as histórias tal qual ocorreram, ou como dizem que ocorreram... quem sabe?

Apesar de possuir uma estatura digna dos gigantes da NBA, Inácio não conseguira se firmar em nenhum dos times de basquete das redondezas. Chegara a treinar como reserva em alguns deles, principalmente nos das escolas onde estudava. Cursou até a quinta série ginasial e, pelo que me consta nunca havia sequer ligado um computador, fato que causou estranheza nas situações que veremos mais adiante... por hora, relato que, apesar da pouca formação acadêmica, Inácio falava com destreza, utilizando um linguajar complexo e assustadoramente correto. Dizem que adquiriu essa desenvoltura por assistir muita TV e manter o hábito da leitura de jornais e revistas, especialmente nos assuntos sobre tecnologia e política, por isso, quando em conversas com os amigos, sempre estava atualizado, bem informado e com opinião formada sobre a maioria dos assuntos que surgiam.

Quando adolescentes, todos temos figuras ou heróis em quem nos inspiramos ou que nos identificamos. Lembro-me que alguns dos nossos amigos gostavam de jeito durão, descomprometido e de quem não leva desaforo pra casa de Wolverine (Marvel 1992), outros, como eu, apreciavam a coragem e o talento de Senna quando representava o país, que ainda hoje queremos vencedor, nas manhãs de domingo. Já Inácio, enaltecia um personagem de novela chamado Vidal, interpretado por Carlos Vereza, cujo o maior talento era ser mentor do galã da trama, onde arquitetava e implementava os planos mais mentirosos e anti-éticos que se possa imaginar. Costumava bradar em bom som:

– “Vidal é o meu ídolo”.

Depois de aplicar alguns pequenos golpes contra seus próprios amigos, tais como a obtenção de uma caixa de chocolate ou a isenção do pagamento de algumas contas de bar, entre outros, as mentiras, até então aturadas e até acobertadas por alguns colegas que sentiam pena, começaram a ficar preocupantes. Inácio, a esta altura já devia a quase toda a turma e as desculpas já estavam ficando escassas, visto que ele usava algumas delas para dois ou três amigos ao mesmo tempo.

Os problemas começaram pra valer, ou seja, as mentiras começaram a virar coisa de profissional, quando em um dos muitos carnavais que passávamos em grupo nas ladeiras de Olinda, ele nos apresentou sua namorada...

continua...

9.11.05

Calçadas da fome

Tem coisas que a gente vê e que chocam mesmo. Apesar delas estarem cada vez mais rotineiras. Muitos fazem de conta que não vêem, outros disfarçam, olham para o outro lado, mas a verdade é que a miséria, a pobreza e a violência (esse trio tenebroso) estão cada vez mais à vista nos grandes centros, reflexo de uma política em que se cultua a ignorância.

Não estou me isentando do rol dos indiferentes, acho que poderia fazer bem mais por essa gente, nossa gente, que por falta de oportunidades, na maioria das vezes lhes roubadas antes mesmo do nascimento, não conseguem (nem poderiam) um prumo na vida. A mesma vida onde a sociedade os empurra para baixo, e os olha sim, para poder pisar melhor, constituindo uma pirâmide íngreme, pontiaguda e com paredes antiaderentes.

Dois fatos chamaram minha atenção ontem à noite, quando voltava do trabalho: o primeiro ocorreu assim que virei a primeira esquina. Deparei-me com uma cena que mais parecia uma representação em carvão sobre tela de Gil Vicente. Uma mulher negra, mendigando, sentada no chão, escorada em belíssima parede de mármore e granito. Ao seu lado, como que postos por algum fotógrafo profissional que compusera a cena em estúdio, uma caixa de fósforos, cuidadosamente deixada entreaberta, com três palitos de pé em cima da mesma, inclinados para manter o equilíbrio, um pouco mais à esquerda da caixa, estava uma carteira de cigarros, daquela tipo box, também com três cigarros de pé, imprensados pela tampa, por fim, uma lata de aguardente de cana à sua frente (presumo que já estivesse vazia). Retratada a cena, vamos ao fato: incrivelmente bêbada – cheguei a esta conclusão porque não entendera nada do que dissera, – a mulher discursava veementemente para aqueles objetos inanimados, apesar de que, pelo estado alcoólico da mesma, devia achar que os palitos e os cigarros estivessem fazendo alguma anarquia, creio.

Passada a estranheza que a cena causou, fica a indignação pela situação de um semelhante. Como um ser humano pode chegar ao seu limite, e às vezes, ultrapassá-lo? A mulher não devia ter mais de 25 anos e já não tem perspectiva nenhuma nessa vida, enquanto os homens que poderiam fazer algo em grande escala para combater esse tipo de desgraça social, só pensam em autopromoção, eleições e poder.

O outro fato da noite aconteceu quando eu já estava chegando ao estacionamento, em frente ao teatro Santa Isabel no centro do Recife: uma senhora de 65 anos, mais ou menos, com sua neta, me aborda e pergunta qual a direção de Aguazinha (bairro da periferia que fica a uns 17 ou 20 Km do centro). Entendi que ela queria saber da localização da parada de ônibus e, prontamente apontei para a Av. Dantas Barreto, corredor de tráfego no centro, lá, com certeza passaria seu transporte. Ela respondeu o seguinte: –“Não meu filho! Eu vou andando mesmo”. – Perguntei o porquê desta marcha atlética às sete da noite e com uma criança à tiracolo? Ela respondeu que não tinha condições de andar de ônibus e pôs-se a caminhar em direção à Av. Norte. A chamei e dei o dinheiro da passagem. Posso até ter caído no “velho golpe da esmola disfarçada”, como diria Maxwell Smart, se caí valeu pela criatividade, e se não, pelo amparo.

Os dois casos nos deixam cada vez mais desiludidos com a política brasileira, e o pior, ano que vem tem eleição de novo... em quem votar?

8.11.05

Em nome da honra

Assistir a bons filmes pode nos proporcionar tanto crescimento quanto a leitura de bons livros. Talvez os meus amigos “cabeças” não pensem o mesmo que eu da sétima arte, até os entendo. Não aceito, mas entendo. Argumentam que filmes têm o “timing” acelerado, não deixando brechas para reflexões ou contestações, além de dizerem que a leitura proporciona um maior uso da imaginação e ampliação da bagagem cultural, blá, blá, blá... lendo, conseguimos voltar ao parágrafo anterior, confabular e discutir sobre o texto, o tempo que for necessário, buscando a aceitação ou a discordância sobre o que quis dizer o autor, bravejam.

Nos tempos modernos, aparelhos como DVDs ou filmes em arquivos digitais, nos deixam mais próximos do recurso “marcador de página”. Podemos assistir com pausa, rever a cena rapidamente e até ouvir os comentários do diretor. Para quem gosta de fotografia e trabalha com produções audiovisuais, como eu, é um “prato cheio”. Visualizamos detalhes que ajudam a enriquecer as idéias sobre vídeo digital.

Outro dia, assistindo ao filme Cruzada, deparei-me com inúmeras citações que Balian, personagem de Orlando Bloom, um homem que usou a razão e a honra para alcançar o discernimento correto, visando guiar suas ações; numa delas, dizia: – “...aprendi muito sobre religião com o senhor, bispo”. – O referido sacerdote, a despeito da sua função religiosa, humanitária acima de tudo (pelo menos na teoria), vendo que a batalha contra os muçulmanos já era dada como perdida, vez por outra incitava o nosso herói a bater em retirada de Jerusalém, deixando o povo à sua sorte: – “... vamos pegar o cavalo mais veloz e fugir...”, – bem ao estilo Leão da Montanha, pela direita.

A reflexão a que me referi no primeiro parágrafo seguiu-se instantaneamente. Citando um ditado popular que por aqui no Recife é muito usado: “bom no bom todo mundo é... quero ver é bom no ruim?”. Até (e, principalmente) nos dias de hoje, os homens que deveriam comandar seu povo, apaziguar turbulências, ou manter a calma, transmitindo-a para seu próximo, são apenas homens comuns, que revelam-se egoístas e covardes em horas indóceis, onde deveriam ser verdadeiros heróis, e quando falo de comando, não é só do político, mas também do religioso e até do familiar, já que os mais jovens precisam de exemplos honrados desde o berço.

P.S.: começou leve, terminou pesado, mas pelo menos foi curto.

7.11.05

Querido desencontro

No início eu nem estava querendo ir àquela farra, mas meus amigos insistiram, pintaram um quadro que mais parecia uma propaganda de cerveja: – “vai ter muita mulher, muita bebida, gente bonita e espírito de festa, vamos lá!”. – Apesar do estado “down”, postura cabisbaixa e aperto no peito, característicos de quem acabara de passar pelo que passei, resolvi dar uma chance a mim mesmo e me vesti para a ocasião. Traje nada especial: a camisa de sempre com emblema e lembranças de glórias e derrotas; e um par de sandálias de couro que comprei em Caruaru no último São João.

Chegamos e fomos logo entrando. Confesso que tive muito medo de encontrá-la, tal receio já estava fazendo parte das minhas saídas há algumas semanas. Idas a shoppings, cinemas, alguns poucos bares e até à bancas de jornal, já me levavam a estado de alerta, como se a possibilidade deste encontro fosse mais e mais iminente a cada esquina. Na verdade, do fundo do meu coração, era isso mesmo que desejava, secretamente, ardentemente, já não agüentava mais de tanta saudade. Apesar de termos ciência da real impossibilidade da nossa vida a dois, tantas vezes discutida.

Havia mais de cinqüenta mil pessoas no evento, muita gente, muita animação. Encontrei alguns amigos em comum, mas sabia que estava a exatos 180 graus dela. Costumávamos ficar perto da saída principal, do lado da rua das Moças, era lá que tocava a Sanfona Coral. Se estivéssemos juntos, por certo estaria tocando triângulo e cantando as paródias corriqueiras.

A senti do outro lado, inerte, inatingível, procurando-me em meio a milhares de cadeiras ocupadas por gente com roupas tão parecidas, como que soubesse que eu estava lá. Sabíamos a posição exata, um a do outro, pois, antes da nossa união, sempre ficava na mesma cadeira, mania de fixação, sei lá, porém, àquela distância só dava para enxergar pontos coloridos do outro lado.

Entre um lance e outro, um dos amigos comentava: – “visse este drible?”, Eu respondia que sim, porém ainda estava a buscando, filtrando cada cor como quem lapida diamantes. Sabia da impossibilidade da definição do olhar, mas esperava que ao atingí-la, algo ocorresse, algum sinal, uma taquicardia, talvez. Nada aconteceu, no final não houve vitória, nem derrota, apenas um empate do meu time, que se encaixou perfeitamente na nossa situação: empatada; sem contato, nem ao menos o visual. Segundo suas próprias palavras: – “até o nosso próximo encontro, na provinciana Recife”. – Até agora ela tem se mostrado imensa, novaiorquina. Não foi dessa vez, e já nem sei se quero que o encontro ocorra, mas continuarei indo ao estádio observar os pontos coloridos e repensar a vida!

P.S.: Até quando se espera por calmaria, onde áreas receptoras de ventos são tão aparentes?

4.11.05

Antes das cenas - begins

Chegou com uma amiga, na verdade uma grande amiga que, além de segurar várias barras dela, e vice-versa, ainda era sócia na agência de comunicação que fundaram a custa de talento e coragem. Tudo isso só descobriu depois. Inclusive, compreendeu que algumas amizades verdadeiras são tão fortes, que, nem o amor ou o ódio podem fragmentá-las. Eram bonitas, jornalistas, por certo, inteligentes.

Não a conhecia, porém um amigo em comum que estava no bar a apresentou, agradeceu boa parte da sua existência a esse benfeitor. A turma era de comunicação: designers, jornalistas, produtores, videomakers, etc, do tipo “meio intelectual, meio de esquerda”, nunca antes havia experimentado aquela sensação de união entre amigos em um boteco, eles se gostavam mesmo, se cuidavam, sentiu dificuldade em ser aceito como integrante, parecia que faziam parte de uma confraria de velhos amigos de infância, sua sorte, naquela noite, foi conhecer aquela morena, quase índia, de cabelos longos e negros, com quem passou boa parte da noite conversando. Ela também gostou dele, de cara. Não diria que fora amor à primeira vista, mas o potencial para ser o maior amor de que se tem notícia estava estampado em seus rostos.

Mal sabiam que a partir daquele encontro, suas vidas dariam cambalhotas em torno dos seus eixos. Não dava para prever, apenas sentiram uma calma mútua, um sentimento de paz que suplantava o que estava fora do raio de ação dos seus sentidos, principalmente o olfato, que rebuscava na memória aquele cheiro incomum que exalava de suas bocas, imaginavam se o gosto pudesse ser igual. Ele apavorou-se por perceber que as horas passaram e que teria que deixá-la, o que de fato ocorreu.

No outro dia, o destino – sempre ele – preparou um daqueles sustos que costuma pregar... encontraram-se na festa da Caderno1, assessoria de um jornal da cidade. Gente bonita, chope à vontade, e muito, muito samba, que provocou a formação de rodas de dança no salão daquela casa antiga na rua do Bom Jesus, ponto turístico do Bairro do Recife, ela parecia deslizar no ar com tamanha leveza, que o hipnotizava, olharam-se, trocaram sorrisos e, numa das idas e vindas ao bar para reabastecer, ele segurou sua cintura e se ofereceu para pegar a “rodada”. Conversaram mais e, novamente, as horas avançaram e se despediram com olhar de quem quer ficar.

Só voltariam a se encontrar para começar a mais louca, conturbada, apavorante e deliciosa história de amor que se tem notícia...

P.S.: Amores são assim mesmo, displicentes e mágicos.

3.11.05

Cenas de um sonho – Parte I

O dia era quinta-feira e, naturalmente, haveria trabalho na sexta, porém, só agora isso lhe ocorre, de tão importante que seria a viagem dali a poucas horas. Nunca estivera em Tamandaré antes, sabia apenas que era para o lado sul, partiu como ave migratória que usa a bússola instintiva. Até sair das cidades que circundam a capital fora uma viagem tranqüila. Havia certeza no caminho e nas decisões tomadas há pouco, mesmo porque, há muito tempo tal atitude tivera sido prometida e agora, ratificada.

Não é sempre que se deixa coisas amadas para trás, sabia disto, não se imaginava sem suas presenças. Ao chegar à entrada de Ipojuca, onde se desdobram os caminhos para Gaibu e Porto de Galinhas, atingira o ponto mais distante da sua casa, até então alcançado. Dali em diante só contava com a sorte para bater seu novo e único objetivo, o amor.

A primeira providência divina fora tomada. Só sabia que seu destino era uma casa, e que esta ficava perto do hospital local, e mais nada. Providencialmente, como tudo que conspira em prol do amor, ouviu uma sirene e olhou no retrovisor, diminuiu a velocidade, a deixou passar, o que possibilitou a leitura das inscrições em sua lateral: - “Prefeitura Municipal de Tamandaré” -. A certeza de que estava fazendo a coisa certa cresceu, e seguiu a ambulância até chegar ao Hospital.

Agora só lhe restava fazer a surpresa que planejara com zêlo e carinho, estacionou na frente da guarita de segurança e ligou para a sua amada, uma, duas, dez vezes e... nada. Começava a se desesperar quando ouviu música, na verdade era aquele ritmo “bate-estaca” que o vento trazia da praia, estava acontecendo um festival e, supôs, que todos deviam estar lá, talvez por a música estar muito alta, ela não tenha ouvido o telefone tocar, pensou.

A providência “atacou” novamente, mal chegara na praia e já avistara seu grande amor em uma sorveteria modesta à beira mar. Ficou no meio da rua a olhando por alguns minutos, a acompanhavam três amigas, que disseram-lhe: - “aquele cara tá te olhando” -. Não estava de lentes, nem de óculos, mas, ao levantar a visão entrou em choque, sabia quem era, sabia da promessa que fez ao deixá-la ir, e começou a acreditar que suas vidas iriam se unir na harmonia que mereciam, correu, abraçou-o com as forças que ainda lhe restavam, beijou-o, com a mesma entrega que o havia beijado todas as vezes. Ali estavam certos de que nasceram um para o outro, como se fossem um só ser...

Continua.

1.11.05

Castigo de amor

A saudade é o maior dos castigos. Não a considero doença, mesmo estando enfermo em seus tentáculos virais, mesmo parecendo asmático, com dificuldade em respirar. Já não sei se o ar existe ou se só há lembranças de suspiros.

Não adianta dizer que vai passar... subterfugiando a esperança, que morreu. Os últimos também morrem, pior, sofrem para morrer e, quando morrem, não descansam como os outros, ainda a têm em seu espírito, se alimentando do que aqui, no plano terreno, chamam de amor.

Sentimento constante e agudo, não dá tréguas ao peito, não alivia sua dor. O corpo disfarça, se emociona, ri, mas todos os sentimentos ganham um resquício seu. Sempre após um sorriso ou um êxtase, ou seja lá o que for, a saudade aparece, se incrusta nos sentidos: o paladar fica aguçado, o olfato alerta, como quem diz – quero você aqui, vejo você aqui”, – as lágrimas vêm, o riso some e o mundo pára... para a saudade.

31.10.05

Terapia aérea

Espero que seja apenas uma questão de educação. Quero crer. Torço para que as diferenças da cena que retratarei a seguir ocorram porque as oportunidades em nosso país ainda estão se criando, e que daqui a pouco tempo, as tenhamos em grande escala. Lá vai:

Foi veiculada uma reportagem em que chineses empinavam pipas. Não era um campeonato, nem o dia internacional do papagaio, nem tampouco carnaval chinês. Era um dia comum, desse que a gente acorda, toma café e sai pra trabalhar, sem esperar grandes novidades. Pois bem, crianças e adultos estavam em praças públicas, parques e ruas fazendo o que nossas crianças estão esquecendo, soltando pipa, como se dizia antigamente. Cada vez menos pipas enfeitam os céus da região metropolitana do Recife, a não ser pela sua resistência em se manter no seu habitat natural: a periferia.

Na China, um país continental, assim como o nosso, o hábito permanece inalterado há milênios. Todos empinam pipa. O curioso é que os chineses as usam, também, como terapia. Na hora do almoço é comum ver executivos, vendedores, secretárias e até policiais pedindo para “dar uma empinadinha”, há centenas delas espalhadas no céu e não se vê enlinhamentos, nem brigas por espaço. Todos têm o seu.

Uma cena destas no Brasil é difícil de imaginar, mesmo porque, aqui não se vê essa cordialidade para empréstimo de qualquer coisa, é nossa cultura mesmo, e mesmo que houvesse, ninguém pararia sua vida apressada para perder tempo precioso em uma coisa tão “insignificante” como empinar papagaio.

O negócio por aqui ainda está na base da “torança”, que se concretiza quando temos o melhor cerol e executamos a manobra debicada com perfeição, não deixando chance para a pipa adversária, a colocando à deriva no ar. Nesse momento começa o “pega-pra-capar” com a criançada que assistia ao embate. É uma correria desgraçada por entre becos e córregos e, quando menos se espera, estão dois buchudinhos aos tapas por pegarem aquele objeto voador simultaneamente, um pelo corpo e o outro pela rabiola.

Talvez seja instinto essa história da competição aqui em terras tupiniquins. Talvez os ocidentais ainda tenham que percorrer um longo caminho, já que as Américas têm pouco mais que quinhentos anos da sua colonização, em contrapartida aos milênios de história e sabedoria da civilização oriental. Pois bem, um simples ato, uma brincadeira de criança pode revelar traços e comportamentos das mais variadas culturas do nosso planeta. Cabe-nos a observação e o proveito que pudermos absorver dessas ocasiões, e que os usemos para engrandecimento próprio e do nosso próximo.

P.S.: No próximo final de semana vou tentar construir uma pipa, acho que ainda lembro como se faz...

25.10.05

A Feira

Chegamo lá de cinco hora
Antes dos galo cantá
Fumo logo pras verdura
Pru mó das mio pegá

Conheci a banca de Severino, um carioca da gema, que depois de perder o amor de Claudinha, morena vistosa dos dentinhos separados, que quando mostrados criavam barrocas, das pernas roliças, que nem duas palmeiras, que se vistas na praia causavam arrepio, e perdeu essa beleza pra Edgar o seu vizinho, que vendo aquela formosura de beleza, cresceu logo o olho gordo, e deixou Severino sem mulher e na pobreza. Sevé, acoado, num teve outra saída, veio-se embora pra Pernambuco, pra reconstruir a vida.

Tomate, cebola, alface e acelga
Tem conetro, cenoura e tem até berinjela
Colhidos cedinho, quando o sol nem olhava
E o preço tão pouquinho, os cliente nem reclamava

Depois de guardades as verduras no carro, que tava na sombra pra não abafá-las, descemos pro lado das frutas e chamamos um menino risonho, que tava com um carrinho-de-mão pra levar o carrêgo.

Me chamo Zézin
Trabaio adoidado
Acordo cedin
Moro ali do lado

Carrego as feira
Pro mó de um real
Mas na série, já sou terceira
Num quero virar mobral

E assim, as compras mais pesadas, botamo Zézin pra carregar: jaca, melancia, fruta-pão, laranja e maracujá; e tudo de mais de um quilo que a gente pôde comprar.

Inhame, Cebola grande pra assar
Batata doce e inglesa, beterraba e cará
E lá no pé da feira, ao lado dos passarim
Compramo muito morango que aqui em todo canto dá

A feira também tem tristeza, tem gente pedindo esmola, sentada no meio das ruas. Tem criança revirando caixote, pra pegar tomate estragado, tem roubo, pequenos furtos e até grandes desavenças, bem em frente ao mercado.

– me veja dois quilo de porco
do lombo, pra um guizado
com osso do mucumbuco
pro caldo ficá engrossado

– já tô esperando fai tempo
pro mó de sê atendido
se dé a dele primeiro
Dô-le um tapa no ouvido

– “Tem briga lá no mercado” – todos correm pra olhar, – “é Zeca com Tonho bêbo, que começaram a se estranhar”. – o sol já estava a pino, nem sombra tinha pra ficar, a roda já tava grande e os dois no meio a falar:

– É a tua mãe
– É a tua sobrinha
– O teu pai é corno
– O teu usa calcinha

Nessa hora Tonho Bêbo
“largou” a porrada em Zeca
Que saiu cambaleando
e sumiu por entre as banca

Tonho Bêbo todo afoito
Foi beber em Zé Gibão
De repende chega Zeca
Amostrando seu canhão

Tava em casa o três oitão
Carregado de munição
Os mesmo que foi defendido
Por toda a população
No referendo maldito
Quem mata é o cidadão

E o outro que era bom
Minino trabaiadô
Agora veve fugido
Jurado de morte e dor

P.S.: A feira tem de tudo mesmo, tem gato, cachorro e amô!!!

24.10.05

Votação inerte

E mais uma vez a maioria decide pela violência. É natural. Os milhares de anos vividos pela raça humana como animais dominantes, não poderiam ser mudados em um único dia, através de uma votação em que, novamente, por outra verdade absoluta da vida, o poder econômico – que usa o terror psicológico como arma – conseguiu impor vontades e evitar o pontapé inicial para um mundo com menos mortes por armas de fogo, pelo menos.

Não há, na nossa história, períodos de paz absoluta. Quando não foram os chineses contra os hunos, eram os romanos contra o resto do mundo; os alemães em apologia a si mesmos; os franceses como loucos conquistadores ou os americanos que não suportam, sequer, vislumbrar a riqueza de outra nação. Isso é o homem, seu retrato, e sua maldição de se sentir inferior e indefeso contra o seu maior inimigo, ele mesmo, egoística e maldosamente carrasco da sua espécie, cultuando o uso de armas de destruição ao invés de lições de paz e união.

No Brasil não poderia ser diferente: propagandas de “premonições” em que se via bandidos dominando os “seres inferiores” por não possuírem revólveres para a sua defesa, minaram suas concorrentes em que se mostrava que, na realidade, a maioria das mortes dos indefesos, acontecia pelo uso das mesmas armas que deveriam defendê-los.

Perdemos a chance de iniciar o caminho para um país menos reacionário e cruel, também, talvez fosse pedir demais, já que a maioria que vive aqui é assim mesmo, medrosa e violenta (comportamentos que se mostram mesmo quando munidos de armas de fogo).

P.S. Deus abençoe a todos

23.10.05

Tribunal de fé

Agora enfim nos mostram a verdade. A máscara caiu, se é que já houve alguma? Há uma ação impretada por um grupo de evangélicos da cidade do Rio de Janeiro, que reivindica uma indenização de, pasmem, R$ 800 mil Reais para cada um do seu grupo, por danos morais. Alegam que a União deve pagar esse valor “simbólico”, (a ação é contra o governo do país, mas quem paga são os contribuintes – nós) por atribuir o dia 12 de outubro à padroeira do Brasil, Nsa. Senhora Aparecida, e ainda instituir feriado nacional neste dia.

Em primeira instância, o juiz da vara cível do Rio mandou arquivar o processo sem nem julgar o mérito, tal o tamanho do absurdo discutido. O que se vê é a intolerância religiosa dos próprios evangélicos em questão, que não aceitam que um país de maioria católica atribua a uma Santa o status de padroeira da nação, e ainda proclame feriado no seu dia, o que torna as suas vidas “insuportáveis”, dizem. Acho que existem coisas mais importantes para se ocupar, como a preocupação com o bem estar da sociedade e com seus fiéis, os quais isento de culpa nesta, e em outras ações, visto que já sofrem deveras em ter que repartir seus salários à razão de dez por cento para financiar suas igrejas, que não o bastante, procuram agora vislumbrar brechas na lei para “roubar dinheiro de muito”, não esquecendo da isenção de impostos para a grana que rola a pretexto da fé.

O grupo citado recorreu da decisão, e agora, em segunda instância, solicitou o julgamento do mérito... ora, ora, imagine a jurisprudência que, se sair vencedor, um ato desses pode gerar: vai ter neguinho querendo ganhar a vida através de uma nova profissão: “impretador de causas ridículas!” Nessa nova modalidade, será “chefe”, quem usar melhor a imaginação. Pois bem, se cada católico resolver mover uma ação contra o bispo da Igreja Universal, Don Sérgio Hélder, aquele que chutou a imagem da Santa... Edir Macedo correria o risco de “quebrar” e não poderia mais passear de barco exibindo rolos de dólares e dizendo que os “manés” (leia-se: fiéis) é quem bancam seu luxo. Imaginem se os ateus, decidirem mover a mesma ação contra os evangélicos por comemorarem seu dia em 30 de novembro, já que não acreditam na divindade... caos total.

Está na hora do povo crer mais em Deus e menos nos homens que dizem que falam com Ele. Já é tempo de se fazer o bem, e não de esperar que a insanidade de alguns resolva os seus problemas, a custa do trabalho e honestidade alheios.

22.10.05

Indivisível

Enfim você decide por deixar-me
Em águas insalubres, sem prazer
Pra ter apenas espasmos de lembranças
Pra ser apenas estigma no meu ser

Enfim não somos mais um só reflexo
Amplexo que não mais existirá
Deixando os mais amigos tão perplexos
Quão verbos soltos, sem chão, sem ar

Éramos enfim como epicenos
Se um chegava o outro estava lá
Tão um só ser que era obsceno
Sem nexo nossa história acabar

21.10.05

Alforria

A verdade veio à tona
Em campos sem cheiro e sem cor
Porque na vida se engana
Quem acha que existe o amor

Aos olhos de quem os via
Nada parecia faltar
Ardência pra noites frias
Demência pra relaxar

Os dois em um se fundiam
Na pele, o mesmo tom
Na boca, o mesmo riso
No sexo, o mesmo som

Um querer que não via dias
Nem noites, nem padecer
Há quem diga que um queria
Muito mais do que podia ter

Enfim nem a astrologia
Cartas, exames de grafologia
Nem a vidente que tudo via
Sobre isso ousou prever

Não mais havia sorrisos
Sem ambos, a festa acabou
Como em carta de alforria
Um se foi, do outro se libertou

20.10.05

Alusão à alegoria

No final, tudo foi para dizer que o inteligível é o que distingue o homem dos outros animais. Ora, só a luz e o senhor dela, nos mostra a verdade e o inteligível. Sendo assim e acreditando nisso, a compreensão dos homens como produtos do meio – não que seja ruim sê-lo –, se dará de forma mais branda e maleável.

Na ânsia de defender seu pensamento, criado de acordo com o meio e com os valores agregados a ele, algumas pessoas têm, como postulados, certas definições de comportamento e de relacionamento que lhe são peculiares, infligindo assim, o próprio direito de pensar do seu próximo, talvez por desconhecimento da diversificação de culturas que existem, não apenas entre povos, raças e nacionalidades, mas também dentro do seu próprio trabalho, convívio e até da sua própria casa.

A verdade é relativa, assim como todo o resto. A aplicação da mesma, se imposta pelos que se dizem ascendidos ao lugar do inteligível, trará o não entendimento dos que a buscam à medida do seu próprio intelecto. A questão do poder entre as relações de combate propostas é quem, na maioria das vezes, impõe sua vontade – leia-se: comando -.

A intransigência, que muitas vezes se disfarça em credo, no sentido amplo e material da palavra, bloqueia a aceitação da hipótese de erro e dirime as chances de sequer ouvir a opinião de outrem. Essa “cortina de aço” que se fecha em um único sentido, atinge tanto aos sábios ou céticos quanto aos fechados e iludidos, fazendo-os prisioneiros do pouco ou do muito saber em igual intensidade e perigo.

Assim, como diria Platão através de Sócrates sobre sua esperança: “Deus sabe se há alguma possibilidade de que ela seja fundada sobre a verdade...”. Não sendo filósofo, nem vidente, e contemplando, com orgulho, minha infinita insignificância ante a mente de Platão, diria: só há um dono da verdade, e ninguém que tenha vivido ou que viverá, ascenderá o suficiente pelas estradas do inteligível, ou do imaginável, para alcançá-lo.

P.S.: Aceitação e entendimento do próximo são palavras-chave para iniciar a subida...

19.10.05

Espera válida

Trabalho em um local onde o estacionamento é distante do prédio principal, logo, ao chegar é comum ter gente esperando transporte para ir ao seu setor. Ontem, o Sr. Pedro Moreira era um desses “caronas” que aguardavam a vez, quando eu cheguei. De pronto, respondeu ao meu bom dia e foi logo “atacando”:

– Esse Lula é mesmo um safado! Desde a época em que ele era sindicalista, aporrinhava todos os presidentes por causa do salário mínimo, que deveria ser de mil cruzeiros...

Vi em seus olhos, uma raiva que transpusera os óculos, excessiva para um senhor de mais de sessenta anos. Continuou dizendo:

– Agora, que tá no poder, fez conchavo com os empresários, que são deputados, senadores e ministros, e até o vice dele também é... um bando de safados que só lutam pelos seus próprios interesses.

Nesse momento eu intervi. Não para defender o Presidente e acirrar ainda mais a cólera alheia (como faria anteriormente em embates desse tipo), simplesmente disse:

- Seu Moreira, quem é mais safado? Os políticos empresários que defendem seus direitos aquém da qualidade dos seus eleitores, ou o povo que os bota no poder repetidas vezes, há muito, muito tempo?

Nessa hora, percebi a mudança do seu olhar, como quem entra em um “mini flashback” e, já com a voz branda, sorriu e respondeu:

– O povo.

Passamos então a conversar sobre o poder e seu poder de transformar os homens, em sua facilidade de mostrar quem realmente somos, em revelar a face egoísta e vaidosa das pessoas, antes ditas legais ou “gente fina”, agora, com o poder nas mão, chamadas de excelência ou doutor, tratamentos que incorporam-se às personalidades como se fizessem parte de seus nomes desde o nascimento, e arrastam o ego para as alturas da mesquinharia e da falta de humildade.

O assunto ia até bem, quando já a caminho do trabalho, um carro entrou na nossa frente como quem faz uma ultrapassagem de fórmula um sem medo de tomar um “x”... então, prontamente fui sabatinado com a seguinte questão:

– Você sabe quantos metros um veículo anda se o motorista que vai a 40 Km/h resolve frear?
– Não seu Pedro, mas presumo que ande uns dez.

Nessa hora, só lembrei do meu velho professor de física, Chico Souza, que chamava a gente de “crionças” e dizia que no dia do vestibular o fiscal ia “babar” na nossa prova...

– Errado! O carro anda 15 metros e esse número triplica quando a velocidade é duplicada. Tem o tempo de tirar o pé do acelerador e o de colocar ele no freio. Tem a demora para visualizar o perigo e raciocinar mexendo ao mesmo tempo na direção e na alavanca de mudanças. E ainda tem gente que me diz que tava na Agamenon a 120 Km/h. Eu disse: você é um louco, que põe a sua vida e a dos outros em risco!

Bom, o que importa é que esse diálogo com seu Pedro me mostrou que minutos de conversa com pessoas experientes, simples e de bom coração (que às vezes, dependendo do seu estado de espírito, podem não demonstrar a calma que se espera que tenham), nos ajuda a avaliar a nossa própria vida: como estarei em 30 anos? Como tratarei as pessoas e qual o meu pensamento sobre os jovens e a humanidade? Esperarei... e espero ter racionalidade suficiente para fazer boas conjecturas no meu tempo de ser sábio.

18.10.05

Deixo-te ir

Deixo-te ir.
Não porque o amor acabou.
Deixo-te ir por te querer mais que a mim,
Por ser você e me sentir em ti.
Deixo em mim a resignação do fim,
Mesmo que os olhos te digam sim,
Mesmo que tua carne me deixe sedento,
E o pensamento vague sem rir,
E o meu sorriso custe a fluir,
E minha vida finde e afunde,
Em ruas toscas, rotas, ruins.

Deixo-te ir por amar demais a ti,
Por inflares minhalma em poesia,
Por saber que você a despertou,
Por arrancares a verdade de mim,
Por creres e me quereres tanto assim.

Deixando-te ir,
Terás paz enfim.
Serás feliz.
Eu, por castigo,
Sem teu cheiro vou viver,
Sem teu cítrico, teu ácido,
Sem teu corpo, provedor do meu abrigo,
Que em milhares de segundos
Confundia-se em um só ser.

Liberto-te nessa hora,
Em que a dor do não estar
Só emerge, só maltrata,
Compreendo teu sofrer,
Partilho dele em paralelo,
Também sofro, também choro,
Também morro pelo não ter.

Deixas aqui,
A certeza do amor maior,
Entre tantos que senti.
Deixas beijos e carinhos
Que não vão se repetir.
Deixo marcas em teu corpo
que o tempo vai extinguir,
em orelhas, cintura envolta em língua,
sem meu ombro pra chorar,
sem meu braço pra dormir...

Vais esquecer de mim,
Porque sabes se atirar,
Porque emana do teu ser
Esse dom em cativar.

Amo-te assim porque me cativaste,
E apesar de impensável,
Minha vida sem você,
Desejo-te a maior sorte,
Que encontres um outro ser,
Que o ame, e ele a ti,
Que te faça, rápido,
Nem sequer lembrar de mim.

Deixo-te ir,
O amor da minha vida,
Ideal, surrealista,
Imenso ainda a crescer,
Agradeço tua vinda,
Agradeço por amar você...

Obrigado.

17.10.05

Vésperas

Então eu fico assim
Na voz que soa mal
Parado, estranho em mim
Um corpo ferido em sal

Se falo, eu sou atroz
Se olho, é com furor
Não canto, não tenho voz
Desminto o que restou

Espanto quem me olhar
Desmonto as intenções
Não quero aproximação
Desista! Não sou seu chão

Às vésperas de contemplar
A minha anunciação
Sou fraco, só sei chorar
Sou louco, sou ilusão

O tempo leva tudo, apaga tudo

Aquele mesmo tempo que deixa sem letras os faxes ou os extratos bancários. O mesmo tempo que é cruel e chega mais rápido para nossos cachorros que para nós.

– Quantos cachorros já tive? E quantos deles morreram de velhice enquanto eu ainda era jovem? O tempo os levou...

O tempo é o implacável devorador de rostos e de sonhos. Quando damos por nós, envelhecemos, perdemos a chance de realizar o que planejamos a vida inteira.

– Depois eu faço, ainda tenho tempo.
– Não! Não tens mais tempo.

Ele passou por aqui como quem entra e sai de uma sexshop, sorrateiramente pra não ser notado, mas suas marcas são específicas, únicas, nos deixa cicatrizes, arrependimentos, remorsos... quando iremos parar de culpá-lo? Nunca, ele não merece!

O peso do tempo passando, enquanto existe uma decisão que precisa ser tomada é incomensurável. Ele não alivia o sofrimento, de propósito. A propósito, o tempo é, apesar de relativo, vingativo e terrorista. Não entende que as pessoas são complicadas mesmo e que é preciso andar mais devagar para a resolução de alguns problemas. A culpa é dele.

Não há nada mais velho que o tempo. Dizem os cientistas que no segundo zero deu-se início ao Universo. Por isso que não eximo a sua culpa, por ser tão experiente e “vivido”, deveria ser mais complacente e piedoso. Ao invés disso, tortura quem dele depende e não se mostra totalmente (fingido), apenas segundo a segundo, como quem se delicia com a dor e a angústia alheia.

Tenho que ir... não tenho mais tempo.

16.10.05

SIM ou NÃO?

Já notaram que a propaganda pelo SIM ou pelo NÃO, na questão do desarmamento, está um retrato fiel da competição publicitária entre os muitos presidenciáveis que já tivemos.

De um lado, aquela campanha em que as razões são demonstradas em depoimentos de familiares das vitimas da violência deflagrada por arma de fogo, e do outro a velha retórica conservadora que conjuga ataques concentrados em desacreditar o adversário. Ora, será que eles não aprendem? O motivo da propaganda gratuita, assim como a política eleitoral, é esclarecer o cidadão, demonstrar-lhe os atributos da pessoa em questão, ou a defesa dos seus argumentos, porém, o que se vê, em um dos lados desse novo embate, é a ultrapassada falta de respeito pela inteligência do eleitor.

Na campanha pelo SIM, vemos artistas como Chico Buarque, que por si só, já seria um bom motivo para o nosso voto em favor da causa por ele defendida, além da eloqüente lógica que condena a arma de fogo porque ela foi "feita para matar". Já a campanha do NÃO, conta com ilustres desconhecidos e reconhecidos mercenários em sua defesa, mercenários sim, porque o interesse maior, escuso das telas, é o financeiro, e pouco importa para os grandes detentores das ações das fábricas de armas e munição, se uma criança de 12 anos acaba com a sua vida ou com a vida do seu irmão de 14 com a arma que estava em poder do seu pai, ou se esse mesmo leva a dita "tiradora de vidas" para a escola e deflagra três tiros em seu coleguinha de classe porque ele não devolveu aquela borracha do HotWeels ou porque roubou a sua namorada.

Creio que, mesmo com a eliminação da venda de armas, a violência por elas criada não seja, de pronto, eliminada. Talvez não alcancemos o dia em que os números de mortes por bala se reduzirão, ou mesmo se aniquilarão, porém em algum tempo é necessário uma quebra da seqüência trágica que se assiste em tevês e se lê em jornais de massa, e o ponto inicial dessa quebra pode ser dado por nós. Se vamos usufruir dessa paz? Não sei, talvez não, mas nossos filhos, ou os filhos deles também não irão, se não levantarmos a voz agora.

Arma de fogo é um ato de covardia. É um combate sem chance para quem está desarmado, porém, se um plano ideal de ausência de armas for impetrado agora, o governo, qualquer que seja o próximo, terá obrigação de eliminar também as armas dos bandidos. Assim, como primeiro passo, ajudaremos na construção de uma sociedade de paz.

Se o referido referendo não aprovar o desarmamento, que é uma possibilidade, faremos isso nós mesmos, em nossa casa, em nossa rua, nossa cidade. A paz deve ser trilhada dentro do que somos, e depois para a nossa volta.

P.S.: a amizade é mais importante que as opiniões contrárias.