21.4.07

Êxodo


De tanto ouvir falar que em 50 anos as cidades litorâneas do Brasil e do resto do mundo estariam submersas pelo derretimento das grandes geleiras, Kid Jones acordava todos os dias, ia até a beira-mar (uns 80m da sua casa) e se preocupava em conferir se o bambu que ele enterrara na praia estava na mesma posição em relação ao dia anterior. Sempre era a mesma ladainha na hora do café:

– Mamãe! É sério, vamos vender nossa casa antes que seja muito tarde. Hoje tive que afastar o bambu mais de 5cm...
– Kid, meu filho, pare com estas estórias de inundação, todo dia a mesma ladainha. Essa “enchente” nunca vai acontecer. (a mãe bota um nome desses na criança e não quer que ela seja “estranha”)

Chegou o dia da entrega dos projetos da feira de ciências na escola. Era a comemoração dos 100 anos desta grande instituição de ensino, que nos últimos tempos havia arrebatado todos os prêmios “jovens e talentosos cientistas” no Brasil e no exterior. Kid, que cursava a sexta série, ou sétimo ano do ensino médio (os pedagogos não se cansam de inventar mudanças na nomenclatura das classes educacionais...), havia feito sua inscrição e o seu trabalho já estava prontinho.

Os 99 alunos já haviam demonstrado seus trabalhos no ginásio de esportes: robôs que reconheciam formas, modelos de biodigestores caseiros, mini-veículos movidos a energias alternativas e até modelos de espaçonave com propulsão à fusão nuclear foram aplaudidos pelo público e pela crítica, enfim chega a vez de Kid, que insistiu para ser o último a apresentar, segundo ele para “não influenciar os jurados nas notas dos outros trabalhos”, então, o diretor da escola anunciou a sua entrada:

– Agora, o nosso último projeto: “degelo e inundação: a retirada para as montanhas será necessária?”.

Kid, com a ajuda do seu avô, Carlito, abre a porta de carga e descarga do ginásio e leva para o centro da quadra, puxado pela caminhonete Chevrolet Brasil 1960 do seu avô, uma maquete fantástica, recriando o litoral Olindense nos mínimos detalhes. Tudo estava lá: a Praça do Fortim, o Farol, o Alto da Sé e até o supermercado que fora construído no lugar do quartel.

O panorama era o seguinte: o público, incluindo alunos, professores e jurados, estava alojado na arquibancada do ginásio. A caminhonete do vovô havia sido retirada da quadra e a maquete gigantesca era alimentada de energia por dezenas de baterias embutidas na montanha que formava a Sé, que faziam funcionar os automóveis e acendiam todas as lâmpadas dos postes de iluminação pública, inclusive o Farol.

Alguns estavam boquiabertos com a magnitude da obra, outros aplaudiam insanamente, outros ainda não acreditavam que uma pessoa apenas teria feito todo aquele trabalho minucioso. Mas ninguém encontrava Kid para que ele explicasse o que a sua maquete tinha a ver com o título do seu trabalho.

No alto do ginásio, perto da lateral onde se localizava a rampa de acesso para cadeirantes, havia se montado uma piscina de 20 mil litros, daquelas de plástico para as crianças do maternal se divertirem, e era lá que o nosso protagonista se encontrava, com o último e decisivo “golpe” para provar a sua teoria.

Com o auxílio de um sistema de alavancas, Kid puxou uma das pernas da piscina, que se rompeu e inundou a quadra... era uma enxurrada de água descendo pela rampa dos cadeirantes, e em questão de segundos inundou toda a quadra de esportes, incluindo a maquete no centro da mesma. A única coisa que restou foi o “Farol de Olinda” coberto de água até o “pé”, porém, mais ligado que nunca...

P.S.: Kid Jones foi expulso, seus pais tiveram que pagar pela piscina e pela limpeza da bagunça e seu avô teve um ataque cardíaco “de tanto rir”!

2.4.07

Boa educação?

- Bom dia, amor?

Antes de pensar em responder (por milésimos de segundo), perguntei-me o motivo daquele "bom dia, amor" no elevador? Fazia 12 anos que eu morava naquele quarto andar e ela, há um pouco mais de nove, habitava o quinto (502), exatamente acima do meu. E nunca, NUNCA havia nem sequer olhado pra mim daquele jeito, apesar de nos encontrarmos com muita freqüência no elevador ou na garagem do subsolo.
Parecia que estava dominada por uma coragem repentina e desbravadora, que a atirava para o quadrante que eu me encontrava, como se quisesse me despir e me comer ali mesmo sem se importar com a câmera do circuito interno, ou com algum vizinho que porventura aparecesse. Seu olhar era mesmo de desejo, de arrancar arrepios escusos e tórridos.

Notei que tinha um quê de diferente em seu rosto, seu cabelo e suas roupas estavam mais ousados. A tal ousadia parecia ter lhe envolvido por completa. Cada gesto, até a respiração estava alavancada por um ímpeto de sedução. Sim! O aparelho ortodôntico não fazia mais parte da sua estrutura bucal. Os cabelos estavam mais volumosos e brilhantes que antes. Não entendo muito bem disso, mas pareciam que brotavam mechas de dourado de algumas raízes e que se estendiam até a sua cintura, que estava à mostra pela primeira vez nesses anos todos.

Chegara ao prédio ainda adolescente, uns 16 ou 17 anos, talvez por isso eu também não houvesse a notado... agora que já é quase uma balzaquiana, vejo que o tempo foi muitíssimo favorável à sua estrutura. Essa roupa de ginástica demonstra, neste caso, as perfeições genéticas lapidadas pelo exercício diário e assistido.

Começamos um namoro. Não pensei em estender muito aquela relação, mas, quando dei por mim, Laurinho chegou, lindo e gordinho, nasceu com 42 cm. E antes que ele dissesse - “papai”, Clarinha nasceu.

E aqui estou eu, com dois filhos, e ainda usando o mesmo elevador. E á por isso que eu não vou responder a esse “bom dia, amor”, moça! Na verdade, já ta na hora de começar a usar a escada!

P.S.: “ô prédio pra chegar vizinha filé”