19.10.05

Espera válida

Trabalho em um local onde o estacionamento é distante do prédio principal, logo, ao chegar é comum ter gente esperando transporte para ir ao seu setor. Ontem, o Sr. Pedro Moreira era um desses “caronas” que aguardavam a vez, quando eu cheguei. De pronto, respondeu ao meu bom dia e foi logo “atacando”:

– Esse Lula é mesmo um safado! Desde a época em que ele era sindicalista, aporrinhava todos os presidentes por causa do salário mínimo, que deveria ser de mil cruzeiros...

Vi em seus olhos, uma raiva que transpusera os óculos, excessiva para um senhor de mais de sessenta anos. Continuou dizendo:

– Agora, que tá no poder, fez conchavo com os empresários, que são deputados, senadores e ministros, e até o vice dele também é... um bando de safados que só lutam pelos seus próprios interesses.

Nesse momento eu intervi. Não para defender o Presidente e acirrar ainda mais a cólera alheia (como faria anteriormente em embates desse tipo), simplesmente disse:

- Seu Moreira, quem é mais safado? Os políticos empresários que defendem seus direitos aquém da qualidade dos seus eleitores, ou o povo que os bota no poder repetidas vezes, há muito, muito tempo?

Nessa hora, percebi a mudança do seu olhar, como quem entra em um “mini flashback” e, já com a voz branda, sorriu e respondeu:

– O povo.

Passamos então a conversar sobre o poder e seu poder de transformar os homens, em sua facilidade de mostrar quem realmente somos, em revelar a face egoísta e vaidosa das pessoas, antes ditas legais ou “gente fina”, agora, com o poder nas mão, chamadas de excelência ou doutor, tratamentos que incorporam-se às personalidades como se fizessem parte de seus nomes desde o nascimento, e arrastam o ego para as alturas da mesquinharia e da falta de humildade.

O assunto ia até bem, quando já a caminho do trabalho, um carro entrou na nossa frente como quem faz uma ultrapassagem de fórmula um sem medo de tomar um “x”... então, prontamente fui sabatinado com a seguinte questão:

– Você sabe quantos metros um veículo anda se o motorista que vai a 40 Km/h resolve frear?
– Não seu Pedro, mas presumo que ande uns dez.

Nessa hora, só lembrei do meu velho professor de física, Chico Souza, que chamava a gente de “crionças” e dizia que no dia do vestibular o fiscal ia “babar” na nossa prova...

– Errado! O carro anda 15 metros e esse número triplica quando a velocidade é duplicada. Tem o tempo de tirar o pé do acelerador e o de colocar ele no freio. Tem a demora para visualizar o perigo e raciocinar mexendo ao mesmo tempo na direção e na alavanca de mudanças. E ainda tem gente que me diz que tava na Agamenon a 120 Km/h. Eu disse: você é um louco, que põe a sua vida e a dos outros em risco!

Bom, o que importa é que esse diálogo com seu Pedro me mostrou que minutos de conversa com pessoas experientes, simples e de bom coração (que às vezes, dependendo do seu estado de espírito, podem não demonstrar a calma que se espera que tenham), nos ajuda a avaliar a nossa própria vida: como estarei em 30 anos? Como tratarei as pessoas e qual o meu pensamento sobre os jovens e a humanidade? Esperarei... e espero ter racionalidade suficiente para fazer boas conjecturas no meu tempo de ser sábio.

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