16.11.05

Inácio Mentira – Parte III: colação de grau

Sim, ele reapareceu. Dessa vez protagonizando uma das maiores farsas que eu tive conhecimento. Estávamos no período em que os amigos da turma estavam se formando. Uns com graduação em medicina, outros em jornalismo, mas a maioria estava cursando engenharia civil.

Alguns dos nossos amigos cursavam engenharia civil na Escola Politécnica, entre eles o meu primo, que era, talvez, o melhor amigo de Inácio. Geralmente nos encontrávamos na faculdade às sextas-feiras para cair na farra, foi lá que o avistamos, saindo de uma das aulas de cálculo estrutural, as piores aulas da Poli, e onde era mais intenso o cheiro de chifre queimado, devido ao alto nível de raciocínio exigido pelo professor. Espantados com sua presença nos corredores, gritamos:

– Inácio! Há quanto tempo, rapaz? Tás fazendo o quê por aqui?
– Pois é amigos, eu tava estudando na Inglaterra, comecei engenharia por lá, agora consegui transferência pra Poli. Tô fazendo Civil e termino em dois anos.

Achamos estranho o fato, já que Inácio saira do Brasil (se é que saiu mesmo?), apenas com a quinta série e tenha voltado cursando civil. Conversamos mais um pouco, colocamos o papo em dia, ele nos falou que estava esperando a namorada, também aluna da faculdade. Duvidamos dele e ficamos por perto observando-o. Até que uma bela garota se aproximou dele e o beijou. Ficamos boquiabertos! Não pelo beijo demorado, nem por ela ser bonita, com cabelos grandes e enrolados, nem tampouco pela boina da infantaria do exército que ela usava. Ficamos com o queixo tocando o esterno porque, depois de muitos anos de convivência, vimos Inácio falar uma verdade, ele tava namorando...

Nos aproximamos para confirmar com os ouvidos o que os olhos viram. Inácio foi, de pronto, apresentado a moça:

– Deixe-me apresentar minha Musa. Ela estuda aqui e vai se formar no mesmo período que eu. O pai dela é militar e quando nos casarmos ele vai ajudar na montagem da nossa própria construtora.

O mais incrível, apesar de estarmos incrédulos, foi que Musa confirmou tudo que Inácio disse e ainda acrescentou:

– É... meu pai já emprestou até um dinheiro pra gente alugar um escritório em Boa Viagem e começar a fazer alguns projetos, Júnior já tá tomando conta dessa parte burocrática.

Pobre menina! Nesse instante percebemos que ela já estava completamente embebida nas mentiras de Inácio, só não entendemos muito bem como ele conseguiu acesso à faculdade e como assistia às aulas. Aguçada a curiosidade, partimos em busca de contatos, amigos do casal na faculdade, que pudessem confirmar ou desmentir o fato. Além do mais, dessa vez Inácio fora longe demais, a menina era filha de militar, e pelo que nos consta, essa gente é metida a “cavalo do cão”, e alguns ao próprio “cão”.

Encontramos alguns amigos em comum entre ela e nossas namoradas, e passamos a sair em casais. Íamos a bares e restaurantes e criamos um vínculo de amizade interessante, o que nos possibilitou a descoberta das mais incríveis estórias sobre o namoro dos dois, não dá pra descrever todas, mas vamos a algumas delas:

Fato um – Sabíamos que Inácio não dirigia, e pensávamos que sua namorada também soubesse, por ela sempre vir guiando o carro do seu pai. Ledo engano, num desses jantares ela nos falou que “Júnior não dirigia, apesar de ter carteira, porque não gostava de pegar no carro dos outros, só iria dirigir quando comprasse o seu próprio carro, isso é tão nobre, não é?”.

Imaginamos o perigo que essa mentira representava: se de repente acontecesse algum problema e Inácio se visse obrigado a dirigir, como ele se explicaria, iria manter sua tese e só pilotar seu próprio carro, ou contar a verdade? Mais tarde descobrimos que ele arquitetara um plano para conseguir o dinheiro do seu próprio carro com o pai dela.

Fato dois – Como Inácio conseguia conteúdo para se passar por estudante de engenharia? Inclusive o víamos, freqüentemente, com um caderno repleto de cálculos, das mais diversas cadeiras, porém, nunca o vimos escrever nele. Como o atualizava? Musa dizia o seguinte:

– Nunca vi uma pessoa estudar tanto como Júnior, passamos vários finais de semana em casa, sem sair para lugar algum, e ele fica só lendo esse caderno.

Descobrimos que um amigo nosso, que realmente cursava a faculdade, emprestava seu caderno para Inácio, que prontamente o copiava. Soubemos também que ele ainda resolvia algumas das tarefas de Musa, que Inácio dizia que levaria pra casa por estar com dor de cabeça e resolveria a questão depois, quando a "dor" passasse.

Como não se pode viver mentindo pra sempre, a farsa acabou. Ao encontrarmos Musa em um determinado restaurante, não foi surpresa sua atitude para conosco. Sabíamos que um dia qualquer ela descobriria a verdade, só não imaginamos que seu nível de rancor e ódio se estenderia a nós, pobres co-vítimas do poder da não verdade. Ela gritou no meio do almoço:

– Vocês todos são cúmplices, sabiam que aquele filho da puta tava mentindo e mesmo assim acobertaram ele. Vocês são culpados também, e aposto que ele dividiu até o dinheiro que pediu emprestado ao meu pai, pra comprar o carro, com vocês. E quer saber mais? Não vou almoçar no mesmo lugar que vocês, safados.

Antes que pudéssemos perguntar qualquer coisa ou dar alguma explicação, ela saiu “cantando pneu” e nos deixou com cara de dançarina da can can que perde a saia no meio da apresentação. Sabíamos que isso poderia acontecer, mas nunca imaginamos que iria sobrar pra gente.

No outro dia fomos procurar Inácio para que ele esclarecesse o ocorrido. Chegamos na casa dele e sua mãe nos atendeu:

– Ah! Inácio foi para o interior, trabalhar numa obra. Tavam precisando de engenheiro e ele foi indicado pela faculdade.

Das duas uma: ou Inácio mentira também em casa sobre suas aventuras acadêmicas e profissionais, ou a falta da verdade na retórica era mal de família.

Ficamos sabendo por outras fontes, que Inácio havia fugido sim para um interior não divulgado, e que o pai de Musa tinha botado até detetive particular atrás dele, e, pelo que consta, se o pegasse não iria ser tão bonzinho, como costumava ser com seus recrutas do quartel...

Ficamos sem notícias do protagonista dessa série por mais de três anos, até que outro dia...

P.S.: "etâ historinha comprida!!!"

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